Conteúdos do Blog

Nesta página electrónica, encontrará poemas e textos de prosa (embora estes últimos em minoria) que visarão várias temáticas: o amor, a natureza, personalidades históricas, o estado social e político do país, a nostalgia, a tristeza, a ilusão, o bom humor...

sexta-feira, 11 de março de 2016

Poema nº 166 - Os aldeões dos Descobrimentos


Os aldeões dos Descobrimentos
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


No meu país, subsistiram muitas aldeias
Cercadas por um folclore de paisagens
Guardiãs das mais diversas epopeias
Dessa ruralidade colorida em imagens. 

Com um arado, cultivámos os campos,
Com um barco, descobrimos o globo,
Com uma cruz, intercedemos aos santos
Com uma espada, fomos alma de lobo!

Os aldeões endeusaram a nossa nação
Extinguiram o seu papel de anonimato,
E afrontaram os Adamastores de então!

O seu espírito derrubou fomes e guerras,
Eclipsou as mais tenebrosas tempestades,
E a sua glória repousa agora nas serras!





Imagem retirada de: https://www.youtube.com/watch?v=W4TdJbAtsFo, (Youtube)

Poema nº 165 - Mulher Judia


Mulher Judia
(Poema Livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Em cada renascer do sol lisboeta,
Os meus olhos perseguiam os teus
Como caravelas loucas de exotismo
Que beijavam ardentemente o Índico!
Os nossos sorrisos entrelaçavam-se
Numa dança pelas ruelas estreitas,
Ao som de uma música doce e singular
Que jamais ecoara pelas Igrejas
Ou pelas sinagogas encerradas do reino.
Mas a sombra do pecado perseguia-nos:
Os nossos lábios eram enclaves recônditos
Alheados de dogmas religiosos,
Inocentes de toda a perseguição movida
Por aqueles que proferiam desígnios divinos!
Mas os teus olhos azuis eram um mar de esperança,
Os teus cabelos negros, uma bênção da criação,
A tua cara branca, um areal de emoções!
Ao longe, os mercadores votavam olhos à tua formosura,
Provocando em mim uma ciumeira infinita,
Uma vontade de assumir a nossa paixão ardente!
Pensei em tempos apelar às sereias do Tejo
Que nos fretassem uma barqueta,
Para assim fugirmos rumo a um país tolerante,
Onde pudéssemos constituir família,
Sem que os representantes fanáticos de Deus
Importunassem dois rouxinóis inseparáveis
Que se completavam num firmamento de amor!
Mas naquele dia, 19 de Abril de 1506,
O sol apagou-se, as estrelas desvaneceram-se,
A escuridão semeou súbditos infames em Lisboa,
Sedentos de vingança e de ódio,
Acusando os judeus de todos os males:
Da peste, das doenças e até da fome!
Do Mosteiro de São Domingos, nasceria um rio,
Um rio de sangue, uma ilusão de purificação,
Uma estratégia diabólica dos frades da ignorância
Que logo incitaram à morte dos "hereges"!
Mulher judia, luz intensa da minha vida:
Nos meus pergaminhos de bom cristão
Bem corri desorientado em teu socorro,
Entrei pela tua casa com o coração a latejar,
Vi os corpos despedaçados dos teus pais
E até o teu irmão mais pequeno foi garrotado,
Mas não te vi ali naquele fatídico "mausoléu",
Pelo que prossegui com a busca desesperada!
Por entre as ruas, assistia ao linchamento público:
A população alvoraçada clamava em uníssono
Que esta era a suprema vontade de Deus!
Desci até à ribeira do Rio Tejo, e finalmente,
Lá vi o teu corpo, meio vivo e repleto de feridas,
A ser consumido nas fogueiras improvisadas!
Guardei uma última imagem do teu rosto
Que seria memória da minha saudade eterna,
E depois, as tuas cinzas voaram como borboletas
Para serem recolhidas pelas sereias do Tejo!
E eu impotente perante o motim popular,
Nada pude fazer para impedir o teu martírio.
Apenas olhei para o céu, e aí tive uma visão:
Um anjo deambulava por entre as nuvens
Abraçando todos aqueles que partiram
Naqueles três dias de imenso terror!
E eu aí percebi que aquele Santo Deus
Acolhia todos os que manifestavam bondade
E repudiava aqueles que invocavam o seu nome
Para cometer as mais terríveis atrocidades!
Deus nunca exigiu sangue, mas sim amor!



Nota-extra: Poema de homenagem às vítimas do "massacre judaico" de Lisboa que decorreu entre os dias 19 e 21 de Abril de 1506 (na altura, em tempo de Páscoa). Várias vidas foram ceifadas nas suas próprias casas, e outras foram arrastadas para as fogueiras improvisadas nos lugares da Ribeira do Tejo e do Rossio. Julga-se que terão morrido algumas centenas de judeus/cristãos novos às mãos dos fanáticos perseguidores. No entanto, Garcia de Resende estima que teriam sido ao todo 4 mil - os mortos daquela deplorável chacina...
Estes versos foram igualmente elaborados em nome da tolerância/liberdade religiosa em todo o mundo!

Poema nº 164 - Vi-te da minha janela


Vi-te da minha janela
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Vi-te a caminhar pela minha rua,
Libertavas um sorriso penetrante;
Pelos teus olhos, mirava a meia-lua,
O repouso do meu sonho ofuscante!

A relançar os mistérios dessa noite,
Estava o vento amante que soprava,
Depositando beijos nos teus cabelos,
São Valentim oculto que se declarava!

E a noite adormeceu primeiro que tu,
Hipnotizada pela virgem madrugada
Que desnudada se rendeu às estrelas.

E eu que nunca mais te vi pela janela,
Acho-me extraviado no teu firmamento,
Nessa paixão que se tornou sentinela!






Nota-Extra - Este poema tinha sido composto no Dia de São Valentim.

Poema nº 163 - Inquietações Existencialistas


Inquietações Existencialistas
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Não há vida sem luto e frustração,
A felicidade é um bem temporário,
Um disfarce da verdadeira depressão
Uma sombra de um corvo temerário!

E aqui nos achamos no portal da ilusão,
Ouvimos o uivar incansável de um lobo,
Uma elegia deste mundo sem salvação,
Uma verdade enclausurada entre o lodo!

E nisto invejo o silenciar dos cemitérios,
A paz inconsciente do sono harmonioso
Que deambula por jazigos e eremitérios. 

Não há tempo para combater a mentira,
Não há sequer argumentos para a derrotar,
Apenas nos resta o rosto sorridente do Sol!





Foto da autoria de Ana Lencastre/ Ana Maria


Poema nº 162 - Nas Ruínas desse Castelo


Nas Ruínas desse Castelo
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Nas ruínas desse castelo,
Moram memórias fatídicas
De privações afrodisíacas
De beijos cativos em selo.

Destinos cruéis do desamor
Prisões de grades infernais,
Gritos de corações com dor,
Silenciosas cartas medievais.

Aquelas muralhas indomáveis
São testemunhas da ambição
Que vetou paixões saudáveis.

Ao luar pressinto os seus vultos:
Nesse eco de arrependimento
Pelos matrimónios falseados!





 


Nota-extra: Este poema é, na sua essência, uma crítica aos casamentos antigos que eram determinados por arranjinhos familiares. No nosso entender, o amor será sempre mais importante do que os interesses materiais ou elitistas.

Poema nº 161 - "Os Carrascos de Abril"


"Os Carrascos de Abril"
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Ó querido 25 de Abril,
Choro pelas tuas ternas memórias,
Pela distinta coragem de Salgueiro Maia,
Pela voz inconfundível de Zeca Afonso,
Pelos cravos de esperança que distribuíste
Nas ruas agora liberais do nosso Portugal!
Mas o teu sonho durou poucos decénios,
Cancros se enraizaram na classe política,
A corrupção tornou-se numa religião,
As cunhas subiram aos altares da adoração,
E as subvenções premiaram a mediocridade!
Maldito sistema aristocrata que nos furtou direitos,
Que assassinou a melodia alegre de Abril,
Que tornou árida a sua paisagem verdejante!
Os rouxinóis puros que anunciaram a revolução
Fugiram ou até mesmo sucumbiram!
No seu lugar, subsistem agora milhafres e abutres
Que trataram de acentuar o pesadelo!
O nosso país não merecia esta traição:
O povo brando e laborioso foi injustiçado,
O entusiasmo folclórico virou ao mais triste fado,
A fartura foi "sodomizada" pela fome,
O desemprego e a emigração tornaram-se numa herança,
O desgosto apoderou-se da vanguarda abrileira,
E de todos aqueles que ansiavam por transparência
E que agora recebem austeridade redobrada
E uma classe política repleta de arrogância!
Portugal, meu amado país,
Acorda para salvar a tua democracia,
Zelando pelo mérito e pela verdade,
Esses valores que te engrandeceram no passado,
E que hoje permanecem num arquivo abandonado,
Testemunhos de uma história que nunca foi lida
Por aqueles que nos desgovernam!
E quanto a ti D. Sebastião,
Digo-te que está na hora!
Porque Abril merece ser a luz da liberdade,
A fonte da sã esperança,
O renascido berço dos rouxinóis encantadores
Que outrora cantarolavam pelas suas planícies!