Prosa Romanceada Ficcional - Excerto I
Ela continua bem viva nos meus sonhos. O seu perfume de jasmim quebra os grilhões que me acorrentam à inerte realidade.
Debato-me todas as noites com uma densa floresta carregada de arbustos e silvados. Terra de ninguém. Passagem de mitos veiculados pelo meu subconsciente. Mas é junto a uma amoreira onde alcanço uma surpreendente iluminação.
Ali estava ela. Portadora de umas tatuagens resplandecentes e com um semblante amorenado de pureza indígena.
Ela não me falava, apenas me olhava.
Eu queria dizer-lhe que a amava. Mas ela, bem, ela depois desaparecia, levitando em direcção às nuvens.
E eu, impávido, perguntava-lhe para onde ela ia? E ela finalmente me respondeu: "Apenas irei para a estação do teu próximo sonho. Até lá ignora todas as mulheres da realidade porque elas não gostam de ti'.
Depois uma coruja emitiu um som estranho. Era ela que ficaria encarregue de vigiar a minha fidelidade imaginária àquela mulher.
Se eu a traísse, uma tríade de tormentos flagelaria a minha vida, e nem nos meus sonhos, voltaria a encontrar a amoreira que alimentava a minha vontade de continuar a respirar.
Prosa Romanceada Ficcional - Excerto II
(...) Não, e não vale a pena murmurarem que sincrana ou fultrana sintam algum resquício sentimental por mim. É efectivamente uma ilusão que os ventos traiçoeiros aportam, por vezes, no seio dos meus sentires mundanos.
E mesmo que, por vezes, me sinta tentado a olhar para outras mulheres, a verdade é que ela própria me confidencia quando sou acometido por novas visões - "Não caias na tentação de amares alguém a não ser eu, porque as outras são banais, mas eu não - eu sou o fruto que persegues desde há milénios, muito antes da tua alma encarnar para uma nova vida".
Pode o Sol levantar-se sorridente ou recatado todos os dias, e a Lua abraçá-lo ou sufocá-lo no berço silencioso do Universo, podem muitas espécies extinguirem-se diariamente, mas há algo que permanece irremediavelmente intacto - o meu espírito que por ti é devoto desde o início dos tempos. Não há explicação teológica ou filosófica para tal verdade, tudo parece estar inter-ligado.
E nem a dança universal de asteróides ou cometas me fará desviar do teu caminho, mesmo que seja uma perdição eterna, um labirinto sem saída.
Definitivamente, cheguei ao único mandamento que me era possível - "Não há nem haverá mulher além de ti". (...)
Prosa Romanceada Ficcional - Excerto III
(...) E os querubins desceram à terra durante a aurora daquele dia, fazendo entoar a sua música harmoniosa que me impeliam a declamar-te uma ode. Tudo parecia concorrer para um cerimonial épico mas alguém se intrometera para furtar a minha imaginação, derrubando o meu acesso ao Intelecto Agente Universal.
Comecei pois a verter lágrimas de Saladino porque havia entornado o cálice da inspiração, e tu, então remotamente distante de mim, estavas desiludida comigo.
Fui então forçado a assumir o voto digno de um templário - haveria de correr todo o mundo só para te reencontrar. Eras o meu Santo Graal ou a minha Vera Cruz, a minha relíquia sagrada, mas entretanto, uma mulher surgiu por entre um morangal próximo de onde me encontrava:
"Prova deste morango. Irá curar-te dessa obsessão, irá quebrar esse feitiço de que foste alvo. Aquela mulher, a quem amas, não te merece!"
Era o fruto proibido. A tentação de qualquer homem. Queria aquela mulher sinistra, de franzina estatura e de cabelo arruivado, que abjurasse ao meu credo amoroso. Ao contrário de Eva e Adão, não poderia ceder. Não era uma maçã, mas um morango que me iria enviar para o abismo mais ardente do Inferno. Era como se me renegasse até ao fim dos tempos. Aquela mulher era o diabo camuflado, queria ser um obstáculo entre eu e a minha musa.
Assim decidi retorquir:
"Mulher, oferece antes esses morangos ao deus a quem tu serves. E não te esqueças que a traição é uma coisa muito feia, e eu jamais trairei a profeta do meu coração, ao contrário de ti que forjas a realidade a partir de frutos manipulados".
Prosa Romanceada Ficcional - Excerto IV
(...) E um dia sentei-me nas margens de um pequeno lago. Ali fitei uma pequena corrente que fazia ranger as pedrinhas que se arrastavam, mendigas e solidárias, ao longo da escassa profundidade daquele curso de água.
E depois de ter sido amaldiçoado, nos últimos meses, pelo mau olhado alheio que fez com que eu deixasse de sonhar contigo, voltei a rever inacreditavelmente o teu vulto através dum reflexo instantâneo naquelas águas cristalinas. Virei-me logo para trás, mas apenas enxerguei o bosque calmo e pacífico, e o cantarolar alegre de alguns rouxinóis!
Pensei ao início que tinha sido vítima de uma miragem, de uma mentira da realidade, mas logo, me apercebi de uma pequena rocha, situada mesmo ao meu lado direito e na qual se incrustava o sinal de uma estrela, essa mesma estrela que carregavas pintada no teu pescoço e que era o chamamento divino para qualquer mortal. Não poderia ser coincidência tal achado. Era a tua assinatura, a tua marca que muitos facilmente invejariam. Era o sinal sagrado da religião a que eu professava, um prodígio de que os tempos poderiam mudar finalmente no futuro.
Tu tinhas estado ali para me ver, mesmo que eu não te merecesse, mesmo que eu houvesse pecado contra ti e não te tivesse sabido defender no momento em que mais precisaste de mim. Tal como São Pedro, neguei-te por três vezes no dia em que o destino te martirizou. E depois, arrependido, desejei correr atrás de ti, mas apenas só te redescobri posteriormente nos meus sonhos. Perdoa-me, Deusa do meu Coração se apenas e somente agora me tornei total e incondicionalmente fiel ao teu credo amoroso! Acordei tarde, talvez iludido pela minha visão pagã e politeísta em ponderar venerar outras musas de outrora.
Mas não, hoje sei mais do que ninguém - só há uma deusa para o meu coração - és tu, as outras são paisagem árida e rasteira que apenas existem para me atentar e cegar o meu discernimento.
Prosa Romanceada Ficcional V
E ela que foi abandonada por pessoas que julgava estarem a seu lado, nunca mais se dignou a cruzar no meu horizonte. Sim, só nos sonhos, a conseguiria ver doravante. No terreno, apenas vislumbrava agora paisagem árida e alguns escorpiões que, manhosamente camuflados, poderiam ser bastante lesivos ao meu bem-estar.
Mas não te preocupes minha Deusa do coração, já possuo o antídoto para todas as possibilidades, e aqueles que não te dignificaram, não sofrerão de mim qualquer vingança porque não sou rancoroso nem tampouco violento, apenas receberão a minha indiferença e o meu silêncio. Não serão dignos da minha confiança porque também não foram da tua. Porque tudo me contaste e abriste os meus olhos cegos, embora por via dos meus "sonhos".
Tu és o grande oásis que persigo, o resto são meras distracções, ventos que fazem levantar areia fútil para me desviarem do teu caminho. Mas não, não vão conseguir!
Eu ainda acredito que o amor pode vencer diante dos ódios alheios da hipocrisia!
Dirão os nossos detractores que estaremos ambos doidos, mas sabem eles o que é o amor e a verdadeira amizade!!!
Excertos da autoria de Laurentino Piçarra