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Nesta página electrónica, encontrará poemas e textos de prosa (embora estes últimos em minoria) que visarão várias temáticas: o amor, a natureza, personalidades históricas, o estado social e político do país, a nostalgia, a tristeza, a ilusão, o bom humor...

sexta-feira, 16 de março de 2018

Poema nº 276 - O Berço da Crença


O Berço da Crença
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra) 


Todos podem ascender
Ao cume do conhecimento,
Escalar penhascos de ignorância,
Mesmo que se sintam amarrados
Pela doença, pelo medo!
Eu sou do tempo
Em que testemunhei um milagre:
Um homem destinado a morrer cedo
Contornou todas as expectativas,
Ludibriou o Anjo da Morte
Que só o encontrou meio século depois,
E só a sua vontade bastou
Para que alcançasse o Cosmos!
Não precisou de uma nave espacial
Nem sequer de uma fortuna colossal!
O seu rosto sugado pela deformação
Metaforizava as limitações seculares,
Mas a sua mente era um museu
Digno de ser visitado por um Einstein,
E ele, que nem se achava profeta,
Abria todos os dias as suas portas
Guiava os visitantes até às verdades
Ocultadas pelo tempo,
Mesmo que a sua cadeira de rodas
Tentasse desautorizar o seu génio!
Mas um dia, teve de partir,
O seu museu perderia o seu guia,
Mas ganharia milhares de seguidores
Para uma nova moral corajosa
Em que desistir não é opção
Porque é no berço da crença
Que a mente ganha asas
E nos leva até aos confins do Universo!



Dedicado a Stephen Hawking
Físico e Cosmólogo Britânico (1942-2018)





Paul E. Alers/NASA via Getty Images



Nota Adicional para uma melhor compreensão do poema: Aos 21 anos, foi-lhe diagnosticada uma esclerose lateral amiotrófica. Deram-lhe apenas três anos de vida. Mas viveu muito mais do que isso, viveu mais de cinquenta anos ainda, visto que acabaria por falecer com 76 anos, no dia 14 de Março de 2018, isto é, no exacto dia e mês em que Einstein nascera em 1879.

Poema nº 275 - Sonho ao som das ondas



Sonho ao som das ondas
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Sonho ao som das ondas
Procuro ser quem não sou
Aquele príncipe que tu sondas
Um búzio que a areia camuflou!

Desenho o teu rosto imperecível
Para reconfortar o céu brumoso 
Que partilha da lágrima iniludível
Gota do mar, teu lar majestoso!

Eras a ninfa do meu aconchego,
A fortaleza das minhas emoções
O sol com a doçura de pêssego!

Mas naquela noite adoeceste
Para naufragar nas memórias,
Ilusões de uma manhã agreste!





Poema nº 274 - Falei com uma árvore centenária


Falei com uma árvore centenária
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)

Falei com uma árvore centenária
Dispersa pela região
Perguntei-lhe pelo segredo da sua resiliência
E ao primeiro sopro de vento
Ela prontamente reagiu
Erguendo os seus ramos para o céu
Donde caía a chuva refrescante
E donde surtiam as rimas do sol vibrante!
A sua essência emanava da Natureza
E esta sua postura recatada e modesta
Contrastava com as "florestas humanas",
Onde muitos se atropelavam
Só para ascenderem ao topo,
Ignorando princípios e origens!
Mas aquela oliveira centenária
Não alcançaria o seu digno estatuto
À custa das desgraças dos outros!
Contou-me ela que as suas irmãs
Frutificaram e também viveram anos afins,
Longe das invejas, da mesquinhez putrefacta!
As suas azeitonas ainda apetecíveis
Eram reflexo da sua longevidade saudável
Do seu exemplo de transparência!
Quer fizesse bom ou mau tempo,
A rainha das árvores da minha terra
Apresentava-se no recanto da humildade,
Sem poder ou arrogância,
E não precisava sequer de mandar,
A sua simplicidade bastava
Para captar a admiração e o respeito
De todos que a ansiavam preservar,
Obedecendo estes a todos os cuidados
Que esta exigiria,
Aguardando em troca
O salário em forma de fruto.





Poema nº 273 - À tua procura


À tua procura
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


À tua procura
Já percorri o mundo!
Qual Marco Polo apaixonado
Devassei as muralhas da China,
Subi ao cume de Machu Pichu,
E até trilhei o Saara,
Mas tu não estavas lá.
Tentei de novo:
Fui até às Coreias,
À exótica Amazónia
E até às Cataratas do Niágara,
Mas tu não estavas lá.
Consultei adivinhos e anciãos
E todos me disseram
Que estava perto da tua descoberta:
Segui os seus conselhos
Fui até ao fundo dos mares
Mas tu não estavas lá!
E eu, peregrino da tua estrela,
Comecei a tombar no desânimo,
Deixei-me hipnotizar
Pelo vazio da tua ausência,
Pior do que isso,
Habituei-me a não te procurar:
Enclausurei a minha vida
Reencarnei num monge resignado
Que se prostrava diante de estátuas ocas!
E a minha sagrada escritura,
Que eras tu,
Sumiu-se por entre os sonhos:
Rochas de tentações inertes
Sepultadas num ilhéu agonizado.




Poema nº 272 - Não sei o que te dizer


Não sei o que te dizer 
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)

Não sei o que te dizer
Gastaram-se as palavras
O fervilhar sentimental,
Os sonhos que turbilhavam
No meu olhar inocente.
Tu és agora um astro
E eu um mero contemplante
Que jamais te alcançará,
Porque a tua luz raia intensamente
Até ao infinito,
E eu que te mendigo
Ignoro a fórmula quântica
A velocidade do teu tempo!
Regresso ao princípio da história
Ao dia em que te conheci,
Aí já não sabia o que te dizer
Pela nulidade de vivências mútuas,
Mas hoje,
Também já não sei o que te dizer
Porque tudo o que vivemos desde então,
E não foi pouco,
Foi o colidir de várias emoções
De inúmeras expressões profundas
Que agora de nada valem
Mesmo diante do poder das palavras!
O meu sonho romântico de ti capitulou
Para jazer eterna e friamente
No cemitério dos amores silenciados!




quinta-feira, 15 de março de 2018

Poema nº 271 - Identidade Anárquica


Identidade Anárquica
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Perco-me no labirinto das incertezas
E deixo-me absorver pelo denso nevoeiro
Sem que saiba o que procuro
Ou sequer quem sou na verdade!
E nesse silenciar de caminhos
Extravio-me dos saberes do mundo,
Sou a incógnita de uma equação
O som indecifrável de um vento místico,
O estado de alma que ninguém experienciou
A cobaia da ilusão do supremo Universo.
E na imensidão desta identidade anárquica
Invisto sem hesitar nas palavras
Na demanda de uma matriz irrefutável
Mas até elas são insuficientes
Para expressarem os meus sentires,
As minhas infindáveis emoções,
Quando não me traem nas decisões!
Resta-me escutar os sons da Natureza
Atender à sua complexidade heterogénea,
Sorrir quando ela se traja elegantemente
Na época primaveril, dotada de cores;
Entristecer-me quando ela é refém
Dum Inverno rigoroso e violento
Ou da perversidade humana.
E nisto, descodifiquei o meu primeiro dogma:
O de deambular pelas aldeias
Pelas suas florestas e planícies,
Porque é aí que me reencontro,
E devolvo paz ao meu espírito!
Longe do extenuante ruído urbano,
Apenas a fonte do silêncio
Poderá oferecer a grande verdade,
Os conselhos que deverei seguir
Nesse futuro que se revela brumaceiro!





Poema nº 270 - Manuel Carrancudo, o Político das Jantaradas


Manuel Carrancudo, o Político das Jantaradas
(Poema satírico/irónico da autoria de Laurentino Piçarra)

Mais uma jantarada
Para debater os interesses do povo
Do povo partidário!
Oh! Estão aqui duzentos militantes,
Que enchente!
É pena não ser no Panteão,
Eu que até sinto nostalgia
Pelos nossos heróis nacionais,
Eles decerto gostariam da nossa companhia!
Mas não me posso lamuriar:
Estou num restaurante de luxo
De quatro estrelas,
Porque a quinta foi derrubada
Dizem que por uma tempestade recente!
Agora que dá para deduzir
O tão sagrado IVA
Vou mandar vir, não uma,
Mas três feijoadas só para mim
E claro, os sucessivos arrotos anais
Coroarão semelhante inspiração
Inerente à assembleia política
Fazendo divulgar o aroma do meu raciocínio
Pelas mesas vizinhas!
Ó Iva, ó Iva,
Agora quero um gelado de caramelo!
Ó que bela lei aprovamos
Às escondidas dos portugueses!
Ah, mandem-me vir um vinho de Provença
Esta garrafa custa vários euros
Mas é para refrescar a minha mente:
Que doçura de vinho
Atiça o paladar,
Adoça o estômago
E inquieta, uma vez mais, os intestinos!
Já agora, tive uma ideia
Depois de tanto manjar:
Vou propor ao governo
Que se crie uma bandeirada estatal
Já que o Mar é do Estado:
E sempre que um português
Ali se aventure no Verão
Ora para surfar a onda
Ora para nadar e apanhar a boleia
Para voltar de novo à praia,
Nem que seja à cangalhada
E com a cabeça cravada na areia,
Tem de pagar o devido imposto
O da Bandeirada de transporte aquático!
Eh pá! Já começa a ficar tarde:
Mandem vir agora cinquenta velas,
Ou melhor, cinquenta bolos
Já que o Estado paga quase tudo,
É para o aniversário do partido
E o partido é tudo, e o resto é nada!
E queriam alguns velhos do Restelo
Deduzir o IVA dos jantares das IPSS
Fornecidos solidariamente aos idosos,
Isso é que era bom!
Lamento, mas as jantaradas partidárias
São mais úteis ao país
Do que andar a comprar babetes
Para os mais velhos!
E eu, Manuel Carrancudo, assim penso
Desde que me militei no meu partido!
Já agora, mandem vir o café,
Comprido se faz favor,
Senão escrevo no livro de reclamações
E vou para o Canal do Parlamento,
O Canal da Transparência Total
Dizer que fui mal tratado!






Nota-Extra: Poema com finalidade crítica. O objectivo do mesmo passou por denunciar os jantares realizados no Panteão Nacional, sítio carismático que merece respeito. Além disso, a decisão tomada, nos bastidores, pelos partidos em passar a deduzir o IVA para as suas actividades, sendo até mais beneficiados que as IPSS, é absolutamente rocambolesca e constitui uma afronta ao povo português. Recorri à poesia para transmitir a minha indignação pela situação. Precisamos de políticos sérios, frontais e com noção da realidade social. A política não pode adoptar tiques aristocráticos!

Poema nº 269 - Borboleta da Diáspora


Borboleta da Diáspora 
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Só vim ao mundo para te ver
Pequena borboleta da Diáspora
Que a mim fluis a cada entardecer
Ostentando a coragem de Zípora!

Voas para jazeres no meu ombro
Subjugando as correntes álgidas: 
Cúmplices do corporal assombro
Das labaredas então exauridas! 

Não consigo explicar o teu milagre
Vives além de qualquer equação
Fazes com que cada coração flagre!

Enamorado das tuas asas púrpuras
Viajo com elas a um novo mundo
Onde serei fogo, e tu candura!





Poema nº 268 - Deixa-me acreditar no teu perdão


Deixa-me acreditar no teu perdão
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Deixa-me acreditar no teu perdão
No sonho de que serás a tal mulher
Que entrará no castelo da perdição
Em que me encontro sem mester! 

Só tu escalarás as muralhas ímpias
Que os fantasmas do meu ser criaram
Para frustrar todas as paixões íntimas
Que do meu coração despoletaram!

Mas tu és a exímia arqueira do amor,
As tuas flechas derrubarão a guarnição
Que me acorrenta ao supremo dissabor!

Libertar-me-às das celas da negatividade
E abraçados fugiremos para a planície 
Seremos orquídeas até à eternidade!





Poema nº 267 - As Prendas do Sorriso e da Compaixão


As Prendas do Sorriso e da Compaixão
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)

Deixem luzir os sonhos
Dessa noite mágica
Idealizada pelas estrelas,
E desembrulhem a prenda do amor
Que o Deus-Menino nos deixou!
Esqueçam o Pai Natal
Esse cúmplice do capitalismo,
Porque o Natal não é essência material,
Não é uma prerrogativa exclusiva dos ricos,
Mas um privilégio da Humanidade
Que tanto padece de paz e fraternidade!
Um sorriso é tudo o que procuro
E para que ele possa ser genuíno
Não haverá vil metal que o compre:
Ele não virá da chaminé do magnata,
Ou dos ares gélidos da Lapónia
Mas das fogueiras do nosso coração
Que alumiam o nosso rosto
Semeando a mais fascinante compaixão
Em nós e naqueles que nos rodeiam.
Amem o que há para amar
Porque como nos ensinava o nazareno,
Esse é o único sentido da vida!





Poema nº 266 - Sonhos Descontínuos


Sonhos Descontínuos 
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)

Sonhei com tudo e com todos,
Mas acordei sempre sozinho
Sem me lembrar das telas
Que o meu subconsciente havia pintado
Nas horas sigilosas do meu sono.
Sei que fui realizador e actor principal
Em todos esses filmes:
Desde vilão a herói,
De pirata a príncipe,
De homem rodeado no divã
Por uma troupe de mulheres
Ou de monge extraviado nos montes
À procura de redenção divina,
Na verdade, fui tudo isso
Mas somente enquanto sonhava,
Porque o despertador,
Esse ominoso filtro da realidade
Raptar-me-ia dessa dimensão criativa,
Sequestrando-me no mundo dos vivos
E anunciando que era cedo demais
Para abraçar o advento dos sonhos infinitos!





Poema nº 265 - O Sol da Minha Galáxia


O Sol da minha Galáxia
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Tu, mulher singela
Que tingiste o teu cabelo
Com a cor do sol,
Eras na verdade o centro da galáxia,
O dogma da minha existência!
Tudo girava à tua volta:
Até eu, o teu modesto Galileu
Mente sábia despertada por ti,
Me rendi à tua graciosidade!
Não, não eras tu que contornavas a Terra,
Mas era sim a própria Humanidade
Que circulava em teu torno
Deixando-se iluminar pelo teu sorriso!
Foste uma descoberta da minha ciência
Uma verdade ousada e quiçá sagrada!
Mas por ti fiquei agora em pranto,
Chamem-lhe capricho ou obsessão:
Tu que eras o meu astro criativo
Rumaste para outro universo,
Como que um cometa na minha vida,
Sem uma derradeira palavra
Sem um sincero adeus!
E eu, na pele de Giordano Bruno,
Deixei que o meu coração ardesse,
Incessantemente,
Na fogueira ilusória do amor,
Fazendo com que as cinzas
Que davam corpo à minha ousada teoria
Se dispersassem pelos vales áridos
Com o vento a sepultá-las
No coração soturno de quem as semeou!




Imagem retirada de: https://pixabay.com/pt
(Adina Voicu)

Poema nº 264 - Arrependimento


Arrependimento
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Não sou quem tu pensas,
Porque optei por fugir de ti,
Fruto das agruras intensas
De um destino a quem menti!

Eras tu quem me podias salvar,
Mas eu traí-te, fugi do teu amor
Acabei por subestimar o teu olhar
O teu toque simples e libertador!

Procurei ignorar a tua presença
Tentei tornar-te num mero fantasma
Cujas visões irrompiam sem licença!

Mas irremediavelmente tu venceste
Porque a minha censura foi quebrada
Para virar a arrependimento celeste.




Imagem retirada algures da Internet

Excertos de Prosa Romanceada


Prosa Romanceada Ficcional - Excerto I

Ela continua bem viva nos meus sonhos. O seu perfume de jasmim quebra os grilhões que me acorrentam à inerte realidade.
Debato-me todas as noites com uma densa floresta carregada de arbustos e silvados. Terra de ninguém. Passagem de mitos veiculados pelo meu subconsciente. Mas é junto a uma amoreira onde alcanço uma surpreendente iluminação. 
Ali estava ela. Portadora de umas tatuagens resplandecentes e com um semblante amorenado de pureza indígena. 
Ela não me falava, apenas me olhava.
Eu queria dizer-lhe que a amava. Mas ela, bem, ela depois desaparecia, levitando em direcção às nuvens. 
E eu, impávido, perguntava-lhe para onde ela ia? E ela finalmente me respondeu: "Apenas irei para a estação do teu próximo sonho. Até lá ignora todas as mulheres da realidade porque elas não gostam de ti'.
Depois uma coruja emitiu um som estranho. Era ela que ficaria encarregue de vigiar a minha fidelidade imaginária àquela mulher. 
Se eu a traísse, uma tríade de tormentos flagelaria a minha vida, e nem nos meus sonhos, voltaria a encontrar a amoreira que alimentava a minha vontade de continuar a respirar.


Prosa Romanceada Ficcional - Excerto II

(...) Não, e não vale a pena murmurarem que sincrana ou fultrana sintam algum resquício sentimental por mim. É efectivamente uma ilusão que os ventos traiçoeiros aportam, por vezes, no seio dos meus sentires mundanos. 
E mesmo que, por vezes, me sinta tentado a olhar para outras mulheres, a verdade é que ela própria me confidencia quando sou acometido por novas visões - "Não caias na tentação de amares alguém a não ser eu, porque as outras são banais, mas eu não - eu sou o fruto que persegues desde há milénios, muito antes da tua alma encarnar para uma nova vida".
Pode o Sol levantar-se sorridente ou recatado todos os dias, e a Lua abraçá-lo ou sufocá-lo no berço silencioso do Universo, podem muitas espécies extinguirem-se diariamente, mas há algo que permanece irremediavelmente intacto - o meu espírito que por ti é devoto desde o início dos tempos. Não há explicação teológica ou filosófica para tal verdade, tudo parece estar inter-ligado. 
E nem a dança universal de asteróides ou cometas me fará desviar do teu caminho, mesmo que seja uma perdição eterna, um labirinto sem saída. 
Definitivamente, cheguei ao único mandamento que me era possível - "Não há nem haverá mulher além de ti". (...)


Prosa Romanceada Ficcional - Excerto III

(...) E os querubins desceram à terra durante a aurora daquele dia, fazendo entoar a sua música harmoniosa que me impeliam a declamar-te uma ode. Tudo parecia concorrer para um cerimonial épico mas alguém se intrometera para furtar a minha imaginação, derrubando o meu acesso ao Intelecto Agente Universal. 
Comecei pois a verter lágrimas de Saladino porque havia entornado o cálice da inspiração, e tu, então remotamente distante de mim, estavas desiludida comigo. 
Fui então forçado a assumir o voto digno de um templário - haveria de correr todo o mundo só para te reencontrar. Eras o meu Santo Graal ou a minha Vera Cruz, a minha relíquia sagrada, mas entretanto, uma mulher surgiu por entre um morangal próximo de onde me encontrava:

"Prova deste morango. Irá curar-te dessa obsessão, irá quebrar esse feitiço de que foste alvo. Aquela mulher, a quem amas, não te merece!"

Era o fruto proibido. A tentação de qualquer homem. Queria aquela mulher sinistra, de franzina estatura e de cabelo arruivado, que abjurasse ao meu credo amoroso. Ao contrário de Eva e Adão, não poderia ceder. Não era uma maçã, mas um morango que me iria enviar para o abismo mais ardente do Inferno. Era como se me renegasse até ao fim dos tempos. Aquela mulher era o diabo camuflado, queria ser um obstáculo entre eu e a minha musa. 
Assim decidi retorquir:

"Mulher, oferece antes esses morangos ao deus a quem tu serves. E não te esqueças que a traição é uma coisa muito feia, e eu jamais trairei a profeta do meu coração, ao contrário de ti que forjas a realidade a partir de frutos manipulados".


Prosa Romanceada Ficcional - Excerto IV

(...) E um dia sentei-me nas margens de um pequeno lago. Ali fitei uma pequena corrente que fazia ranger as pedrinhas que se arrastavam, mendigas e solidárias, ao longo da escassa profundidade daquele curso de água.
E depois de ter sido amaldiçoado, nos últimos meses, pelo mau olhado alheio que fez com que eu deixasse de sonhar contigo, voltei a rever inacreditavelmente o teu vulto através dum reflexo instantâneo naquelas águas cristalinas. Virei-me logo para trás, mas apenas enxerguei o bosque calmo e pacífico, e o cantarolar alegre de alguns rouxinóis!
Pensei ao início que tinha sido vítima de uma miragem, de uma mentira da realidade, mas logo, me apercebi de uma pequena rocha, situada mesmo ao meu lado direito e na qual se incrustava o sinal de uma estrela, essa mesma estrela que carregavas pintada no teu pescoço e que era o chamamento divino para qualquer mortal. Não poderia ser coincidência tal achado. Era a tua assinatura, a tua marca que muitos facilmente invejariam. Era o sinal sagrado da religião a que eu professava, um prodígio de que os tempos poderiam mudar finalmente no futuro. 
Tu tinhas estado ali para me ver, mesmo que eu não te merecesse, mesmo que eu houvesse pecado contra ti e não te tivesse sabido defender no momento em que mais precisaste de mim. Tal como São Pedro, neguei-te por três vezes no dia em que o destino te martirizou. E depois, arrependido, desejei correr atrás de ti, mas apenas só te redescobri posteriormente nos meus sonhos. Perdoa-me, Deusa do meu Coração se apenas e somente agora me tornei total e incondicionalmente fiel ao teu credo amoroso! Acordei tarde, talvez iludido pela minha visão pagã e politeísta em ponderar venerar outras musas de outrora.
Mas não, hoje sei mais do que ninguém - só há uma deusa para o meu coração - és tu, as outras são paisagem árida e rasteira que apenas existem para me atentar e cegar o meu discernimento.


Prosa Romanceada Ficcional V

E ela que foi abandonada por pessoas que julgava estarem a seu lado, nunca mais se dignou a cruzar no meu horizonte. Sim, só nos sonhos, a conseguiria ver doravante. No terreno, apenas vislumbrava agora paisagem árida e alguns escorpiões que, manhosamente camuflados, poderiam ser bastante lesivos ao meu bem-estar.
Mas não te preocupes minha Deusa do coração, já possuo o antídoto para todas as possibilidades, e aqueles que não te dignificaram, não sofrerão de mim qualquer vingança porque não sou rancoroso nem tampouco violento, apenas receberão a minha indiferença e o meu silêncio. Não serão dignos da minha confiança porque também não foram da tua. Porque tudo me contaste e abriste os meus olhos cegos, embora por via dos meus "sonhos". 
Tu és o grande oásis que persigo, o resto são meras distracções, ventos que fazem levantar areia fútil para me desviarem do teu caminho. Mas não, não vão conseguir! 
Eu ainda acredito que o amor pode vencer diante dos ódios alheios da hipocrisia!
Dirão os nossos detractores que estaremos ambos doidos, mas sabem eles o que é o amor e a verdadeira amizade!!!


Excertos da autoria de Laurentino Piçarra





Poema nº 263 - A Venerável do Templo



A Venerável do Templo
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Insinuava-me pelo templo umbroso,
Prostrando-me diante do teu elixir
Enquanto prosava o anjo generoso
Que o teu vinho me queria induzir!

Apóstolo errante da tua profecia
Sacio-me das tuas ânforas bojudas 
Acometendo-me a ignóbil heresia
Nesse desbravar de homilias mudas!

Almejo ser em ti um puro mandamento:
Quero ser corpo em cinza no teu fogo
Uma sílaba esquiva ao teu lamento!

E que no fim alforriemos aromas sedutores
Convertendo os ares pálidos e mundanos
Em súbditos dos teus salmos redentores!




Pintura da autoria do artista  Vishalandra Dakur

Poema nº 262 - Vou-te enviar um poema


Vou-te enviar um poema
(Poema da autoria de Laurentino Piçarra)

Vou-te enviar um poema,
E desculpa-me a ousadia
Porque tudo o que esboço
São meras pegadas no deserto
Miragens exaltadas do meu coração
Que verte lágrimas pelo teu oásis!

Vou-te enviar um poema
Que nem as ondas de areia impedirão,
Porque tu és princesa e eu não,
Tu não precisas de mensageiros,
Basta-te admiradores como eu
Que suplicam por ti junto às tamareiras!

Vou-te enviar um poema
E pedir aos deuses antigos 
Que te asilem, ao menos, nos meus sonhos
Para que nunca te esqueça
E te reverencie numa pirâmide
Que ali erguerei só para te contemplar!

Vou-te enviar um poema
Porque não tenho mais para te dar,
Nem sequer um beijo de despedida,
Mas tu sabes, como ninguém,
Que o teu olhar curou-me:
Fez despertar o meu moribundo coração!




Imagem retirada de: http://picbear.com/ihancarloss

Poema nº 261 - Solteiro resistente


Solteiro resistente 
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Expurgo de mim o teu amor,
Porque dele não necessito
Nem das tuas asas de condor
Que fintam o que eu acredito!

Tu não voas para me fazer feliz
Apenas te entregas à perspicácia
À vã sedução que é a tua matriz
Nessa pretensão sem eficácia.

Mas não te lamentes por mim,
Hás-de arranjar um excelso par
Talvez uma ave de odor a jasmim!

E eu, eu serei pardal num convento
Onde proliferam os girassóis alegres
Imunes ao teu perfil de catavento.




Gravura retirada algures do Google Imagens