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Nesta página electrónica, encontrará poemas e textos de prosa (embora estes últimos em minoria) que visarão várias temáticas: o amor, a natureza, personalidades históricas, o estado social e político do país, a nostalgia, a tristeza, a ilusão, o bom humor...

domingo, 26 de julho de 2015

Poema nº 106 - A Ponte Transcendental e o Rio do Oblívio


A Ponte Transcendental e o Rio do Oblívio
(Quadras da autoria de Laurentino Piçarra)


Quando os meus olhos se encerrarem
Na sepultura do "descanso" derradeiro
Desejo que o meu espírito voe ligeiro
Percorrendo os céus que se elevarem!

Não sei se acharei a luz salvadora,
Ou se o frívolo barqueiro Caronte,
Ou se até a escuridão aterradora,
Mas creio no enigma da mítica ponte!

Será ela de pedra ou de madeira?
Estreita ou larga de passagem?
Terá no seu fim a luz verdadeira?
E que rio discreto a atravessa?

Nos meus sonhos, fui visitado por Morfeu
Que me aconselhou a recear o rio:
O rio do oblívio que afoga o "eu"
Num total esvaziar de recordações.

Ele mostrou-me esqueletos na sua margem
Daqueles que caíram da justiceira ponte 
Por pertencerem à supérflua vilanagem
Vetada pelos deuses do horizonte!

Aquele rio aniquila o passado e o porvir,
Faz desaparecer a alma e o seu crer,
É o inferno que omite o verbo existir
Nas águas profundas e inimigas do saber!

Mas se Morfeu tudo isto me confidenciou
É porque a ponte tem uma meta fascinante,
Onde se condensa a glória arrebatante
Que um dia até o próprio ouro vulgarizou.

Vou tentar já atravessá-la em vida
Com gestos de ternura e solidariedade
Sarando nos outros qualquer ferida 
E praticando a essência da fraternidade.

O segredo não reside só na meditação,
Mas sobretudo no mais puro altruísmo 
Aquele que Jesus livremente ensinou
E que decerto nos privará do abismo.

A ponte só será "conquistada" pelo amor
Não pela ambição, pelo ódio ou ganância
Que para os Deuses é prova de ignorância
E que transforma o rio medonho em purificador!





Poema nº 105 - Sombra interesseira


Sombra interesseira
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Sombra interesseira,
Como me inquieta a tua perseguição,
O teu imitar neutro
A tua falta de lealdade
A tua recorrente futilidade
O teu suspirar que é só meu
O teu sentido de oportunismo.
Sim, só queres saber de mim vivo!
Quando morto estiver,
Decerto não viajarás comigo para o túmulo,
Presunçosa, ficarás no mundo dos vivos
Para atazanar outra pobre alma!!!
Como já é teu apanágio,
Sugas as energias dos corpos
Vives do seu sol de êxitos
Adormeces nas suas nuvens enfadonhas!
Além da tua ambição disfarçada,
És cúmplice das maiores injustiças:
Não proteges os teus hospedeiros
Das palavras infames,
Dos gestos obscenos,
Das agressões cobardes
Que lhes são infligidas por detrás das costas!
És a metáfora da indiferença:
Um punhal ensanguentado que perfura o coração
E que nos remete à insignificância
Num assíduo silenciar de sonhos
Desta sociedade de ilusões!






Poema nº 104 - O Barco do Poeta


O Barco do Poeta 
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


O poeta é como um barco à deriva
Que encontra a solidão no alto mar
Deixando-o numa posição contemplativa
Perante o céu, as ondas sem cessar!

Mas a embarcação revela-se frágil
Mesclando rumos contraditórios 
Nas diversas marés de ritmo ágil 
Onde pontificam fados aleatórios!

O poeta pesca palavras de ardor,
Não para garantir a sua sobrevivência,
Mas para encher a alma de candor.

Se o barco naufragar nas profundezas,
Perdem-se os versos, a arte do imaginar,
Tesouros que só o futuro poderá desenterrar!




Imagem retirada de: https://utopiaerestu.wordpress.com/ (DiZa)

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Poema nº 103 - Firmamento à Beira-Mar


Firmamento à Beira-Mar
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


De noite,
À beira-mar,
Quando olho para o Firmamento
Enxergo planetas e estrelas afins,
Cometas que galanteiam a escuridão,
Luzes que guiam os artistas na inspiração.
Mas logo sou acometido por um conluio de pensamentos
Não sei se de fantasia, ou de cariz visionário,
O que eu sei é que retenho esta premissa:
Não acreditem em tudo que vos dizem:
Nenhum de nós é verdadeiramente pobre!
A ser justa a partilha do infindável Universo,
Cada um de nós teria direito a um planeta,
Que, habitável ou não,
Entronizaria o nosso nome de baptismo,
Mesmo que nunca lá aterrássemos!
Seríamos filhos da sua majestosa herança!
Talvez tudo seja mero fruto da minha ingenuidade
Dos meus neurónios floreados ou romantizados,
Mas gostaria que o Universo fosse fraterno:
Que jamais esquecesse a nossa passagem efémera
Através do coroar dos nossos nomes pelos astros,
Que retribuísse o pensamento positivo dos homens
Recompensando o optimismo e a bondade,
Que contasse ao Sol inúmeras fábulas infantis
Para arrancar sorrisos nas crianças
Que segredasse à Lua os seus mistérios
Envoltos numa oculta fonte de misticismo
Que partilhasse com a entidade suprema divina
Os futuros projectos de engrandecimento eterno.
Mas desculpem-me este monólogo nocturno à beira-mar
Onde contemplo na praia o bater incessante das ondas
Onde sinto a maresia e ouço nos búzios o canto das sereias,
Onde rebolo-me na areia como se não houvesse amanhã:
Estou vivo, e devo-o ao maravilhoso Universo.





Poema nº 102 - Os meus animais de estimação - Scully (gata) e Pepe (cão)

Os meus animais de estimação - Scully (gata) e Pepe (cão)
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


A minha gata é uma notável animadora social
Sabe estimar os donos e alegrar os convidados
Ora com o seu miar inocente
Ora com a sua preguicite bailarina,
Ora com as suas massagens relaxantes!
Nos tempos livres, lê e relê o seu livro preferido:
"Como ser feliz na inenarrável sustrice"!
Mas a minha Scully reivindica uma polivalência invulgar
Pois também auxilia na vigilância
Protegendo a casa dos ratos e vermes!
Inspirada no seu mentor - o habilidoso Garfield,
Já fez desaparecer à mesa sardinhas e fiambre,
Pelos vistos, é fã dos produtos "Pingo Doce"!
Ela não foi cá parar por cunha ou filiação partidária,
Nem por procedimento concursal viciado, 
Não, isso é especialidade dos homens!
Ela foi cá abandonada em bebé
E amamentada por uma gata-mãe dum lar amigo:
Assim sobreviveu, cresceu e foi domesticada,
Ostentando o novo estatuto de felina aristocrata.
Ela também representa um modelo de beleza:
Os seus olhos verdes, brilhantes como uma esmeralda,
E a sua inebriante pelagem à Boavista
Fazem dela uma gata com charme inequívoco.
Já o meu cão é segurança activo
Não obstante, a sua idade de reforma!
Lealdade máxima é o seu cartão-de-visita,
Adora passear para marcar território
Desfilando os seus intentos hegemónicos!
Nos tempos livres, discute ainda com as trovoadas,
E fica enraivecido com o fogo de artifício.
Às tantas, ele deve julgar que é um longínquo cão
Que, instalado às portas do céu, anda a ladrar bem alto
Para provocar as almas caninas do mundo inteiro. 
Mas o meu Pepe não é um medroso como o Scooby Doo, 
Apesar de ter receio dos aviões mais barulhentos,
Deve pensar ele que são insectos gigantes,
Embora agora privatizados, pelo que dizem!
Ele também gosta de jogar às corridas com a gata,
Às vezes, ele corre com ela, e ela com ele,
É como agora o FMI e a Grécia,
Mas em menor escala, claro está,
Até porque os meus animais são inteligentes
E mais propensos para a arte diplomática!
No fundo, a minha Scully e o meu Pepe 
Perfumam a família com a sua boa disposição
Revelando uma lealdade que não é artificial!
Afinal ainda temos muito para aprender com eles,
Mas para isso devemos deixar de lado o ego e a vaidade,
Os males que sempre atormentaram o ser humano.





Scully 



Pepe

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Poema nº 101 - Morte, Escuridão e Luz


Morte, Escuridão e Luz
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Ouço o sussurrar da morte
Tento adivinhar os seus intentos,
Mas não sou Nostradamus,
Nem tampouco Pessoa
Nem sequer simpatizo com a má sorte
Que ceifa vidas humanas!
O anjo do último suspiro arrepia-me,
Segue ao longe no meu encalce
Com a sua inseparável foice,
Desferindo pelo caminho maquiavélico,
Golpes atrás de golpes:
Sem manifestar piedade pelos mais fracos,
Sem revelar qualquer zelo de justiça!
Como queria viajar para o reino do Preste João,
Esse lugar lendário e longínquo
Onde subsiste a fonte da eterna juventude!
Queria viver e ser infinito
E perpetuar os que me rodeiam
Como uma biografia sem capítulo final!
Queria tirar a "vida" ao anjo da Morte,
Queria envenená-lo com uma poção mágica,
Queria espancá-lo de raiva,
Mas a morte não tem vida nem dor,
E o anjo não passa de mero pó
Que reside na imaginação popular!
A morte é a porta da escuridão,
Da escuridão solitária e implacável
Que só poderá ser vencida pela luz
Daqueles que anseiam pela esperança:
Duma realidade superior,
Dum renascer nimboso num vindouro hospital,
Dum sonho eterno e lúcido
Onde nós próprios somos os encenadores!








Nota-extra:  O termo "nimboso" foi utilizado, não tanto no sentido de chuvoso ou pluvioso (embora pudesse metaforizar, a nosso ver, o choro dos bebés (re)nascidos), mas sim no de encoberto ou toldado, pois a reencarnação, a existir (o que obviamente não sabemos!), será sempre uma realidade encoberta ou dissimulada que foge ao nosso conhecimento, a qual apagaria assim as experiências anteriores doutras vidas. 

domingo, 5 de julho de 2015

Poema nº 100 - Destino


Destino 
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Descortino o horizonte
Na ânsia de me encontrar
Num barco errante,
Numa nuvem deprimida,
Numa onda agitante,
Numa ave migrante!
Procuro-me no tempo,
Numa metáfora recôndita,
Num silêncio profundo,
Num sonho vazio!
Não sei quem sou,
Nem sei o que serei,
Sou apenas réu do destino.





Poema nº 99 - Golo de Eusébio


Golo de Eusébio
(Poema Livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Outrora houve um prodígio que elevou Portugal
Um cometa que cruzou os relvados
Um escultor que ergueu altares nos estádios
Um fura-redes que desafiou as leis da física
Um patriota que guiou a sua nação à glória
Um milagreiro que fez o Benfica vulgarizar o Real Madrid
Um futebolista de classe que sabia fazer dançar a bola
Como muito poucos idealizaram,
Até conseguir superar o guarda-redes adversário:
Uma, duas ou três vezes!
Homem de princípios, protótipo dum povo humilde,
Amado por carregar as esperanças duma imensa turba:
Eusébio era o Zeus do futebol,
Os seus raios eram golos de gala,
O seu panteão encimava o Monte Olimpo,
A Galáxia Olímpica dos atletas jubilados,
Esses mesmo que ousaram tornar-se deuses
Fintando o destino dos comuns mortais,
Namorando um trono no Céu dos Céus!
Os verdadeiros génios derrubam montanhas,
Obstáculos insuperáveis, colossos míticos,
São revolucionários perpétuos do futuro,
São lendas e ícones de epopeias singulares
Que edificam os pergaminhos da História!
Ainda hoje o vejo a arrancar com a bola atrás do meio campo,
Portugal empatado a três com a Coreia do Norte,
Lá vai ele numa corrida desenfreada,
Imparável, nada nem ninguém pode afrontar o Deus do futebol,
Passa com distinção por dois jogadores asiáticos,
E quando já se preparava para recitar um poema de amor à baliza
Sofre na área uma carga brusca do derradeiro oponente,
Contorce-se com dores, mas prontamente recupera:
Só ele poderia converter o castigo máximo em ouro lusitano,
Magia essa que permite a reviravolta mais fantástica
Do Mundial de 1966, onde Portugal fez reinar seu fado
Nas prósperas terras de Vossa Majestade!
A ti Eusébio, remato agora a minha dívida de gratidão
Porque eras o ídolo dum povo trabalhador
Que interrompia os seus turnos
Só para ter o privilégio de te ver:
A balançar magistralmente as redes
E gritar em uníssono:
"É golo de Eusébio, é golo de Portugal"!





quinta-feira, 2 de julho de 2015

Poema nº 98 - Perdoa-me Princesa


Perdoa-me Princesa
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Perdoa-me se nunca te disse que eras bela,
Perdoa-me se nunca te convidei para um café,
Perdoa-me se nunca te mimei com carícias,
Perdoa-me se nunca te declamei um poema,
Mas nada disto fiz por timidez natural.
Tu eras o Sol dos meus sentidos, a razão do meu viver,
Cada vez que te via, ornamentada de vestidos de cetim,
Conseguias acelerar o meu deprimido coração
Tornando as palpitações tão velozes como um potente Ferrari!
Mas não, eu não tinha argumentos para a tua venustidade,
Eu era apenas um jovem vulgar, desempregado e desnorteado,
Tu sim eras a conjugação de todas as dádivas divinas,
Reunias em ti tudo o que um homem ousava apreciar:
A beleza, a pureza, a simpatia, a honestidade, a elegância!
Mas eu só poderia contemplar a tua obra de arte diariamente,
Era um privilégio ver-te mas jamais poderia tocar-te,
Porque senão mancharia a tua originalidade,
Deturparia todo o teu sentido
Que faz de ti a mulher mais linda que eu já vi!





Poema nº 97 - Os Recantos da Vidigueira


Os Recantos da Vidigueira
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


A Vidigueira não é só mais uma vila portuguesa
Localizada no pacato e monótono Alentejo,
Onde o Sol se abate ardentemente sobre os montes
Infernizando o labor dos modestos lavradores
Que sacrificam as suas enxadas insaciáveis
Na exploração do solo ingrato e doloroso.
A Vidigueira é uma terra diferente, tem ares que lhe são próprios,
Tem ruelas e calçadas que se encerram numa recôndita mística,
Guarda musas que se ocultam nas noites de nevoeiro,
Alberga poetas que, refugiando-se no enclave da discrição,
Lavram versos nos "altares sentimentais" das suas moradias!
A Vidigueira é uma fadista de voz refinada
Que canta à mesa a sua deleitosa gastronomia
Rematada pelos apetecíveis vinho, pão e laranja,
Produtos que conquistam qualquer paladar mundano.
A vila é também exímia acolhedora dos seus visitantes:
A sua praça central, comemorativa da República,
Distribui por todos uma harmonia espiritual
Estimulada pelas observantes laranjeiras
E pelo doce voar das andorinhas primaveris!
A Vidigueira é uma reputada historiadora
Que memorizou como ninguém os tempos da expansão
Onde Portugal evidenciou sua veia navegadora!
O seu castelo em ruínas, impregnado de nostalgia,
Recorda-nos a laureada saga dos Gamas,
Condes da vila ou até vice-reis da Índia
Que terão emprestado grandeza ao seu paço,
Além de elevarem a devoção religiosa
Com a edificação de ermidas nos paisagísticos outeiros
E a promoção do culto monástico em torno de Nossa Senhora das Relíquias:
A padroeira que, segundo uma lenda medieval, cedeu pão a um casal pobre
"Matando" milagrosamente a fome da sua desnutrida filha!!!
Vasco da Gama foi o primeiro dos condes da vila,
Logo ficou deslumbrado com as virtudes desta terra alentejana,
Depois de ter achado há cerca de vinte anos o caminho marítimo para a Índia
Epopeia que o viu aniquilar diversos Adamastores!
A Vidigueira é embaixadora suprema da tolerância,
Como chora ela em estátuas as vítimas da guerra israelo-árabe
Zelando por uma paz sólida que se requer universal.
A vila foi berço do comerciante judeu Miguel de Espinosa,
Pai de Bento de Espinosa, genial filósofo que viria a dar cartas na Holanda!
A Vidigueira mede meticulosamente o tempo da sua história
Através da sua imponente Torre do Relógio
Cujos ponteiros assinalam os ventos da evolução moderna.
A Vidigueira é ainda reencarnação de Tétis, a deusa grega da água:
Sacia a sede popular com as suas apelativas fontes
E ainda conserva a sua monumental cascata.
Como poucos, a vila promove no seu meio as tradições lusas:
Nas tabernas, divulga o aprimorado cante alentejano
Património Imaterial da Nação e da Humanidade!
Ela também escreve, versifica e dança
Reescreve novos capítulos da sua vida
E partilha segredos naqueles dias em que o céu nocturno
Permite a observação nítida das incontáveis estrelas do Firmamento.
Por fim, minha amada Vidigueira, aqui me encontro eu
Mesmo junto à estátua do vosso ínclito navegador
Segurando na minha mão uma taça de vinho
Para brindar à saúde dele e à do vosso povo
Que sempre partilharam a mesma ambição de glória
Honrando uma identidade multifacetada de êxitos
E desvelando todo um passado sublime e meritório,
O qual faz corar de inveja o futuro!














As duas primeiras fotografias são da minha autoria, a terceira (que apresenta as ruínas do castelo da Vidigueira) é de Lopes Guerreiro.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Poema nº 96 - No teu quarto perfumado


No teu quarto perfumado
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


No teu quarto perfumado
De aromas afrodisíacos,
Deparei-me com a bênção de Vénus
Mesmo junto à cama encoberta pela cúpula
Onde te encontrei despida de preconceitos!
Prostrei-me diante da tua postura elegante
Os meus lábios escalaram o teu corpo belo mas sinuoso
Superaram eles as montanhas do medo
Resistiram à avalanche de intensos espasmos,
E trilharam o caminho para a maior das descobertas!
O percurso principiou-se no teu rosto 
Cândido, ternuroso e macio:
Meus lábios abraçaram os teus 
Numa telepatia de singular perfeição
Que supera a inteligência humana;
Os nossos olhos cúmplices se cruzaram
Como labaredas dum fogo descontrolado
Fruto da anarquia incondicional do amor!
Depois de colorir com beijos a tua face,
Enrolei os meus dedos nos teus cabelos lisos
Arquitectando os mais deslumbrantes caracóis.
Mas a jornada era ainda árdua e longa!
E o teu corpo repleto de inúmeros atalhos
Não fazia desvanecer em mim a esperança de te encontrar
Naquele verso erótico onde somos palavras que rimamos
Num encaixar corporal rematado por vibrações sem igual
Que nos faz ascender entrelaçados até aos Campos Elísios.
Mas para lá chegarmos, tinha de almejar a Floresta Mágica,
A região lendária que é só tua e que enfeitiça qualquer homem,
A mesma que oculta no seu interior um riacho transcendental
Onde por entre as suas estreitas e ditosas margens
A consciência se dissolve repentinamente como o sal
Substituída pelas correntes do supremo prazer
Que endeusam a plenitude humana!
Para lá arribar, atravessei em ti duas formosas planícies
Cada uma delas, dotada no topo da sua árvore mágica
Aí me entreguei a um culto pagão incessante
Onde nos teus altares me alimentei dos frutos proibidos
Para absorver as energias necessárias
E prosseguir nesta viagem imemorial!
Segui as indicações das estrelas e rumei a sul do teu corpo
Percorri as tuas terras férteis que não pareciam ter fim!
Sentia-me imperador do Universo, mesmo sem ter um exército!
Finalmente, depois de contornar uma cratera traiçoeira,
Os meus lábios alcançaram a tua Floresta Mágica,
Povoando-a de uma sedução ímpar,
Fazendo eclodir em ti os mais espontâneos gemidos
Efeitos imediatos do teu aprazível delirar!
Penetrei devagar no leito do teu tímido rio
Até me perder nas tuas águas cristalinas
Onde nadamos com infindável loucura
Procurando o clímax da nossa existência.
Parecíamos duas borboletas que giravam entre si,
Voando extasiadas em direcção ao céu,
Partilhando os mesmos olhares,
Os mesmos sentimentos,
Os mesmos sonhos,
Os mesmos encantos,
O mesmo futuro que nos quer eternamente abraçados!









Notas-extra - 1 - Cratera = umbigo; 2- Apesar de me referir no poema a uma "escalada corporal" dos lábios, as circunstâncias físicas narradas decorrem naturalmente com gradualidade/evolução descente, contudo não deixa, de qualquer das formas (e num sentido certamente mais psicológico, metafórico ou emocional), de ser uma "escalada" que visa a realização final de duas pessoas apaixonadas que se encontram ligadas pelo mesmo sentimento de amor mútuo. Foi precisamente este último prisma que quis ressalvar. O amor alcança sempre o seu respectivo auge, após uma longa "escalada".