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Nesta página electrónica, encontrará poemas e textos de prosa (embora estes últimos em minoria) que visarão várias temáticas: o amor, a natureza, personalidades históricas, o estado social e político do país, a nostalgia, a tristeza, a ilusão, o bom humor...

sábado, 11 de março de 2017

Poema nº 231 - Desmintam-me os deuses


Desmintam-me os deuses
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Desmintam-me os deuses
Se o teu vestido de turquesa
Não é cópia fiel do teu oceano
Onde te moves como uma ninfa
Beijando o pôr-do-sol no horizonte?!

Desmintam-me os deuses
Se essa tua coroa de flores
Onde depositas todas as proezas,
Não é a tua fiel companheira de viagem
Logo que sais do mar e abraças a terra?!

Desmintam-me os deuses
Se esses teus olhos verdes
Não reflectem o mais pacato bosque
Que visitas durante as tardes de neblina
Antes de adormeceres junto a um salgueiro?!

Desmintam-me os deuses
Se essas tuas vistosas saias
Não são antes o mundo a girar à volta,
Ou melhor, o meu próprio mundo
Onde morro por ti, e em ti?!

Desmintam-me os deuses
Se te iludo com a minha modéstia
Se te finto à verdade com poesia abstracta,
Ou se apenas sou um rochedo silencioso
Parte privilegiada do teu majestoso percurso?!





Imagem meramente exemplificativa retirada de Pinterest 
(Créditos - Katerina Plotnikova)

Poema nº 230 - Ovar é prosa


Ovar é prosa
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)

Ovar é prosa
Soprada pelo vento
Que sonda as janelas
Fazendo bailar cortinados
Verdadeiras máscaras desfilantes
Dos seus zelosos proprietários!

Ovar é prosa
Perfumada pelo oceano:
Cada palavra sua exala maresia,
Cada frase sua se enclausura num búzio
Que se enrola abraçado pelo areal
Até se dissipar nas ondas do infinito.

Ovar é prosa
Que converge pelas calçadas
Através da voz dos seus comerciantes
Que elevam os produtos da terra,
Prestando uma idolatria suprema
À cidade, sua mãe benemérita.

Ovar é prosa
Porque as suas fontes jorram histórias
Que saciam famílias desesperadas
Não só de água, como de sabedoria
Refrescando o interior de cada um
E prosperando vitoriosos oásis no deserto.

Ovar é prosa
Que não se esgota nos azulejos,
Porque professa a arte da continuidade
Metamorfoseando-se de imensas vocações
Que a tornam ávida de criatividade
Nesse almejar das suas incessantes recriações!

Ovar é prosa,
Porque não escreve sozinha,
Não é biógrafa de si mesmo,
É sim actriz principal de uma encenação
Embalada pela irreverência teatral
E cujo enredo profícuo nunca expira!

Ovar é prosa
Porque ali viveu o príncipe do romance:
O seu pseudónimo era Júlio Dinis
E as suas obras despoletaram um arco-íris
Que ainda hoje prevalece comedidamente
Sobre aqueles que aqui vivem para a arte!





Direitos da Foto - Revista Evasões 
(Fotografia de Maria João Gala e André Gouveia/Global imagens)

sexta-feira, 3 de março de 2017

Poema nº 229 - O Teu Colar de Penas


O Teu Colar de Penas
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Irrompe na sua perícia matutina
O cortejo de raios solares
Que penetram pelas fendas da cabana
Gravando nas tuas costas
Então prostradas ao relento
O fogo que ali ousei entronizar
Nas noites loucas
Em que as nossas salivas unidas
Formavam rios inóspitos
De temperaturas abrasivas,
Convergindo num só único sentido
Através de fluídos de lava
Bombeados pelos nossos corações!
Mas a tropicalidade do nosso amor
Não se confinava apenas aos beijos lânguidos
Que partilhávamos em cada crepúsculo!
Não, até a Lua, a mãe-criadora das noites,
Se rendeu ao colar de penas
Que carregavas ao pescoço!
E eu que fui abordado pela tua graça,
Minha Pocahontas da vida real,
Adormeci nos teus braços,
Bebi das tuas cascatas de leite,
Perdi-me na tua floresta
Sem ter de sair da nossa cabana.
E foi na caminhada até ao monte
Dos inenarráveis mistérios
Que voltei a focar-me no teu colar
Gerado por mãos indígenas.
Ele era afinal o teu templo
Reflectia em ti:
A faceta selvagem,
O íntimo cristalino,
A sensualidade singular
O sacramento que me oferecias diariamente
Sem que eu merecesse
Ser retribuído pelo teu soberbo clarear!





Imagem da autoria de Jesse Kraft (http://pt.123rf.com/)

quarta-feira, 1 de março de 2017

Poema nº 228 - O Rouxinol do Povo


O Rouxinol do Povo
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Peleja a noite numa conjura
Onde a mentira é encoberta
Pelos capatazes da ditadura
Opressores da arte desperta!

O sangue evapora-se pelas ruas,
A mordaça é a mãe da indiferença
Que profere virtudes das falcatruas 
E que furta ao povo a sua crença!

Mas por cada crime, nasce uma trova,
Por cada covarde, haverá um corajoso
Que coloca o regime do medo à prova!

Assim viveu o inigualável Zeca Afonso,
Trovador genuíno da audaciosa liberdade,
Rouxinol que eclipsou a agonia invernal!






Poema nº 227 - O cavaleiro literário


O cavaleiro literário
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


O que seria da poesia portuguesa
Se não tivesse um sadino de gema,
Que desprovido da cortesia inglesa
Viu no ordinário o seu exímio lema?!

Cada poema era um cavalo de guerra,
Cada verso um rude golpe no inimigo;
O seu nome bradava de terra em terra,
Bocage, o Geraldo-Sem Pavor da língua!

Ao fim do dia, após trucidar os incautos,
Enamorava-se das ninfas do rio Sado,
Narrando o seu erotismo pelos planaltos!

Guerreiro desbocado, romântico discreto,
Bocage colhia as begónias da Primavera
Antes de devastar cada espinho indigesto!






Poema nº 226 - Sê um barquinho


Sê um barquinho 
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Sê um barquinho,
Mas não queiras ser um navio,
Nem sequer uma fragata,
Porque a modéstia é uma virtude
Para quem deseja abrir as suas portas
Aos enigmas do conhecimento!
Com esse barquinho,
Poderás navegar no silêncio,
Escutar o canto doce dos pássaros,
Cheirar o aroma exalado pelos pinheiros
E presenciar o sol que despeja em ti
Calorias intensas de sabedoria!
Segue por esse pequeno rio,
Desbrava a ignorância das montanhas,
E faz do teu pequeno cérebro
Um destemido vulcão em erupção contínua
Que cobrirá as cordilheiras vizinhas
Com um manto de racionalidade!

Sê um barquinho,
Mas não almejes o poder
E tudo aquilo que não te é destinado,
Porque assim naufragarás
À primeira onda movida pela inveja
Ao primeiro intento arrepiante de uma anaconda!
Olha sim para as árvores em redor do riacho
Unidas na mesma causa natural,
Cultivando o valor da amizade!
Nunca te desvincules dos teus amigos,
Afinal, eles também cabem nesse barquinho
Tornando-se em conselheiros dessa tua aventura
Onde a audição é a ferramenta da aprendizagem
E o companheirismo a fonte da vitalidade!
E acima de tudo,
Não deixes de ser quem és
Só para agradares à neblina hipócrita
Que paira sobre os caminhos da humanidade!




Poema nº 225 - Manuel, o cliente dos Paraísos Fiscais


Manuel, o cliente dos Paraísos Fiscais
(Poema satírico da autoria de Laurentino Piçarra)


É dia de Primavera,
E o Manuel já depositou o seu investimento:
Mais 15 milhões para offshores nas ilhas Caimão!!!
Oh! Ele tem muitos contactos na política!
O seu melhor amigo Óscar é do Partido Comodista,
O seu sobrinho Rafael é do Partido Oportunista,
E o seu pai é fundador do Partido Míope,
E claro todos têm offshores
Sejam eles nos papéis do Panamá
Nas praias das Ilhas Maurícias
Ou até nas bananeiras da Madeira.
Oh! Vocês sabem lá!
O Manuel está exuberante:
Limpar dinheiro é com ele,
E nem precisa de máquinas de lavar.
Oh! Ele agora desata a rir-se do vizinho Zeca,
Um pobre agricultor
Que foi multado há semanas
Por não pedir a factura do seu lanche
Num café do Zé-Povinho.
Ainda teve que fazer cem horas
De trabalho comunitário
Só por ter protestado com o agente!!
Mas o Manuel não se sujeita a tal vexame:
É um exemplo para a sua cidade
Todos acreditam no seu dinamismo
E nas ideias que tem para a nação!
Ele até possui amigos no estrangeiro:
Por exemplo, ele conheceu três cangalheiros
Todos eles trajados de negro
E que traziam sempre consigo malas carregadas
De imensa papelada fúnebre!
Ao início, diziam-se também economistas
E que até poderiam ter a solução para a crise:
Fechar hospitais,
Encerrar escolas,
Extinguir juntas de freguesia,
Aumentar impostos,
Cortar pensões,
Cobrar portagens!
Mas um dia, o sem-abrigo do Frederico
Que tudo havia perdido em quatro anos
Perguntou-lhes ao passar na rua:
"Porque não combatem antes a corrupção
E até a evasão fiscal?"
E o Manuel trafulha incomodado
Respondeu com voz arrogante
E escudando-se num falso moralismo:
- "Cala-te, seu sem-abrigo, que nem impostos pagas
E que nem sequer vais votar!
É por causa de pessoas como tu
Que o país não vai para a frente!"




Cartoon da autoria de Chappatte in "International Herald Tribune"



Nota adicional - Poema satírico construído de forma a exibir uma crítica em relação à notícia de que saíram de Portugal cerca de 10 mil milhões de euros para offshores no estrangeiro, entre 2011 e 2014, e sem que o Fisco tivesse conhecimento da saída destes capitais. Os nomes utilizados neste poema são meramente fictícios.

Poema nº 224 - O Mocho


O Mocho
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


A noite desperta em ti o observar,
Recria-te com um semblante frontal,
Uma elegância que admites reivindicar
Aos demais intrusos do recanto florestal.

Perspicaz, mas também artista dotado
Que faz girar o seu pescoço bailarino
Talvez à procura de um poema inspirado
De um luar de espírito que seja peregrino!

Nele residem os cometas da sabedoria
Camuflados por entre os seus penachos
Capelos que trajam a sua nobre reitoria!

E aqueles que o acusam de mau agouro,
Subestimam a sua serenata académica,
O seu vincado olhar que é jóia de ouro.





Poema nº 223 - No dia em que deixares de reluzir


No dia em que deixares de reluzir
(Quintilhas da autoria de Laurentino Piçarra)


No dia em que deixares de reluzir,
As rugas sobressairão da minha face,
Os meus cabelos acusarão ondas brancas,
E todo o meu pensamento claudicará
Perante a ideia do teu desaparecimento.

No dia em que deixares de reluzir,
Me tornarei albino, filho da álgida noite,
Atormentado pela orfandade do amor
Por um buraco negro que suga o meu coração,
Perfurando a minha existência romântica.

No dia em que deixares de reluzir,
Rastejarei como um verme sem auto-estima,
Serei um escorpião escondido numa pedra
Uma cobra deslizando pelo deserto sem emoção
Um berbere sondado pelas miragens vãs!

No dia em que deixares de reluzir,
Os meus olhos se tornarão inúteis
Porque apenas visionarão a banalidade
Que abunda neste mundo egocêntrico,
Onde tu foste a mais singela das excepções!






Poema nº 222 - Não te vou dizer que não...


Não te vou dizer que não...
(Quintilhas da autoria de Laurentino Piçarra)


Não te vou dizer que não
Nem que um dia seja príncipe
E tu uma mera serviçal,
Porque o amor não discrimina,
Apenas une para sempre!

Não te vou dizer que não
Mesmo que o mundo esteja contra ti
E me possa imputar os teus defeitos,
Que, ao meu singelo coração,
São virtudes invejadas por outrem!

Não te vou dizer que não
Só porque não,
Só porque quero ser orgulhoso
E renegar a tua companhia terapêutica
Que preenche os meus vazios.

Não te vou dizer que não,
Só porque o mundo vai acabar
Como antecipam os profetas da desgraça,
Pois eu já sem ti,
Vivo num universo morto.

Não te vou dizer que não,
Mesmo que seja acusado de pecado mortal
Pelos reis do Firmamento,
Porque tu, minha deusa terrena,
És a fonte da graciosidade feminina!





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(Imagem retirada algures do Google Imagens)