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Nesta página electrónica, encontrará poemas e textos de prosa (embora estes últimos em minoria) que visarão várias temáticas: o amor, a natureza, personalidades históricas, o estado social e político do país, a nostalgia, a tristeza, a ilusão, o bom humor...

sábado, 5 de setembro de 2015

Poema nº 120 - O Manuscrito Ancestral do Palheiro Vermelho


O Manuscrito Ancestral do Palheiro Vermelho
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Naquele final de tarde,
Percorri os trilhos junto à Praia,
Contemplei aí o saudoso arrebol
Que pintava o céu duma cor alaranjada.
Subi ao paredão para almejar o horizonte,
Esse horizonte marítimo de alegrias e tragédias,
Que "matou" a fome humana com toneladas de peixe,
Mas que também testemunhou terríveis naufrágios,
Ou até depredações de vikings e berberes!
Entretanto na sequência deste meu solto divagar,
Desviei o olhar para a minha silenciosa retaguarda,
Havia algo que logo me captara a atenção:
Um palheiro secular de madeira,
Distribuidor de cores e encantos,
E cuja sorte merecia a minha natural inveja!
Todos os dias ele escutava o bater das ondas do mar,
Todos os dias ele sentia o imenso cheiro a maresia,
Todos os dias ele assistia ao frenesim da arte xávega,
Todos os dias ele tinha uma nova história para contar!
Os anos podiam passar impiedosamente,
Mas ele teimava em não envelhecer!
É património, é postal enraizado dum povo:
Morada de gerações de pescadores anónimos,
Gente humilde que arriscou as suas vidas
Para superar as adversidades do tempo!
Deprimido e exausto está o seu chão térreo:
Eficaz sorvedouro de mares de lágrimas
Vertidas por familiares em luto
Que choravam por cada barco que não retornava!
Sem licença ou resquícios de compaixão,
A desgraça batia assim muitas vezes à porta:
Quantos lobos do mar não sucumbiram às ondas letais?
Quantas almas não ficaram arrasadas para sempre?
Quantas cicatrizes não se instalaram nos corações?
Quantos medos não se recriaram a cada embarque?
Quantas crianças não ficaram órfãs do destino?
Que drama - este partir brusco e cruel
Sem um beijo, um abraço ou um adeus,
Sem uma sentida despedida!
Mas não choremos mais estes martírios:
Pois os espíritos daqueles que naufragaram
Não jazem no pequeno cemitério da cidade
Nem sequer debaixo do solo da antiga capela
Engolida pelo mar e substituída por outra,
Eles revivem sim nas nossas memórias:
São o exemplo honrado do passado,
A identidade que nos conduz no presente
E a prodigiosa inspiração do futuro!!!
Mas além da sua acentuada cor vermelha,
E da vegetação dunar que o enfeitava em redor,
Aquele palheiro escondia algo,
Um segredo nunca antes revelado:
Uma caixinha de madeira soterrada
Que dizem há séculos ter dado à costa,
Ignorando-se a sua origem!
Um pescador analfabeto que a encontrou,
Decidiu guardá-la ali, naquele edifício simbólico!
A caixa achava-se bem cerrada
Como se tratasse dum tesouro do além-mar!
Mas um dia aquele homem logrou por fim abri-la,
Detectando no seu interior um manuscrito,
Bem enrolado e de inegável antiguidade,
Afastou com ligeireza os seus bordos,
E ali jurou ter vislumbrado três palavras,
Como não sabia ler,
Correu excitado em direcção à Igreja Matriz,
Para consultar o Pároco local,
E este, diante desta comunidade de Santa Maria,
Depois de benzer o manuscrito,
Proferiu bem alto
Para que todos ouvissem
As três palavras latinas
Que rematavam a essência mágica de Esmoriz:
"VIRTUS IN LABORE"




Foto da minha autoria




Foto da minha autoria




Postal da autoria de José Bastos



Nota-extra - Poema dedicado ao povo de Esmoriz e que se cinge sobre o simbolismo dos seus palheiros à beira-mar. No que diz respeito à expressão latina "Virtus in Labore", esta encontra-se presente no brasão da cidade, e atesta o carácter trabalhador da sua comunidade.

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