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Nesta página electrónica, encontrará poemas e textos de prosa (embora estes últimos em minoria) que visarão várias temáticas: o amor, a natureza, personalidades históricas, o estado social e político do país, a nostalgia, a tristeza, a ilusão, o bom humor...

domingo, 4 de dezembro de 2016

Poema nº 189 - Al-Mutâmide, o rei-Poeta de Sevilha


Al-Mutâmide, o rei-Poeta de Sevilha
(Crónica, em moldes poéticos, da autoria de Laurentino Piçarra)

Na Beja outrora muçulmana,
Nascia um príncipe,
Um homem que fez da poesia
A sua própria arte de expressão!
O seu nome era Al-Mutâmide,
Era filho do rei mouro de Sevilha.
Elegante, esbelto e determinado,
Partiria imensos corações femininos
Sempre que se deslocava à praceta!
Ainda jovem, foi nomeado governador de Silves!!!
Oh Silves - essa terra da qual diziam maravilhas:
Um pólo cultural que congregava eruditos,
Uma universidade de virtudes do al-Andalus!
Foi ali que Al-Mutâmide conhecera Ibn Ammar,
O seu poeta-tutor que amara perdidamente,
Numa admiração mútua de intelectualidade!
Foi também ali no Palácio das Varandas,
Citado no seu poema evocatório de Silves,
Que Al-Mutâmide se envolvera com as musas
Mais irresistíveis do seu tempo,
Em noites ardentes repletas de música, dança e poesia!
Oh! Al-Mutâmide amava o seu mestre
Mas também bebia do erotismo feminino.
Revelando o ardor típico da juventude!
Descontente com os acontecimentos,
O progenitor de Al-Mutâmide decidiu exilar Ibn Ammar,
Porque censurava a sua influência íntima
Que desencaminhava o seu filho!
Os anos foram passando,
Al-Mutâmide sucederia a seu pai em Sevilha,
Nomearia o seu amigo preferido como vizir
Que assim regressaria para o servir!
Ibn Ammar conquistaria Múrcia
E venceria Afonso VI numa insólita partida de xadrez,
Demovendo o monarca cristão de uma potencial ofensiva
Aos territórios integrantes da taifa!
O rei Al-Mutâmide promoveria o mecenato em Sevilha,
Reunindo poetas, geógrafos e astrónomos!
As cortes repletas de luxo,
Assistiam ao consumo desmesurado do vinho,
À imoderação sexual,
E à lassidão dos costumes!
O próprio soberano não se negava aos prazeres!
Pareciam ser tempos áureos!
Mas a política tende a arruinar homens cultos,
E a maldita sede de poder e protagonismo
Traz ao de cima os piores instintos.
Al-Mutâmide, então enamorado de Itimad,
Uma concubina graciosa que também recitava poesia,
Começou a desconfiar de Ibn Ammar,
Diziam que o seu amigo conspirava contra ele,
Lavrando versos depreciativos contra o casal reinante!
Ibn Ammar estaria ainda a ultimar a independência de Múrcia,
Rebelando-se assim contra o seu soberano,
Aquele que sempre o tratara com nobreza!
Oh!!! Quantos tremores se sentiram no palácio de Sevilha!
O rei-poeta temia ser atraiçoado por quem mais admirava!
Como Ibn Ammar mudara!
Teria ciúmes daquele relacionamento frutuoso?
Inveja do rei a que servia?
Estaria o seu coração cegado pela sede de poder?
Também al-Mutâmide deixara afectar-se pelo ódio,
Tornara-se frio e impaciente,
Deixara-se levar pelos ventos de rancor,
Ordenando mesmo a prisão do seu antigo amigo.
E num dia amaldiçoado pelo destino,
Saturado de tanta intriga,
Decidiu entrar na cela de Ibn Ammar,
E com um machado,
Desferiu o verso mais negro da sua vida,
Provando que a barreira entre o amor e ódio
Será eternamente ténue,
Não teria ele sentido remorsos do que fizera?
Mas o fim de Al-Mutâmide também estava próximo,
Os cristãos avançavam na sua cruzada peninsular,
Cenário que exigia uma resistência vincada!
Iúçufe ibn Texufine, emir de Marraquexe,
Partiu de Marrocos com uma força poderosa,
Derrotou o rei leonês Afonso VI em Zalaca,
E quatro anos depois, numa nova iniciativa almorávida,
Tomaria vários reinos-taifas.
Sevilha cairia e o seu rei também.
Al-Mutâmide e a sua mulher acabariam por ser desterrados
Para Aghmat, onde viveriam os últimos dias!
Em solo marroquino, e sob o manto da discrição,
E ao abrigo de condições miseráveis,
O filho de Beja criou poemas repletos de sentimentalidade,
Nutrindo saudades de Sevilha,
Dos seus palácios, jardins e olivais,
Dos seus amores e desamores!
E Aghmat, terra humilde que acolhera as suas lamurias,
Tornar-se-ia num centro de peregrinação poética,
Num dos exemplos vivos da herança do al-Andalus!







Nota-Extra: Al-Mutâmide viveu entre 1040 e 1095. Nasceu em Beja e viria a ser rei-poeta de Sevilha. Teve uma amizade (muito) colorida com o poeta Ibn Ammar (natural de Estômbar; especula-se que houve inclusive um relacionamento de cariz homossexual). Mas Al-Mutâmide também se envolveu com várias mulheres na juventude, acabando por se apaixonar mais tarde por Itimad, uma concubina muito bonita que sabia declamar poesia popular em público. O relacionamento entre Al-Mutâmide e Ibn Ammar terminou em tragédia, por causa das intrigas do poder político no próprio reino muçulmano de Sevilha. O rei matou friamente o seu vizir na cela onde este estava detido... Teria demonstrado mais tarde arrependimento pelo que fizera?
Tanto Al-Mutâmide e Ibn Ammar foram poetas muçulmanos que nasceram no "Portugal Árabe" mas que assumiriam cargos políticos prestigiantes no al-Andalus. Este poema pretendeu recordar a sua existência.

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