Aquela infame porta
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)
Afonso
Com um semblante triunfante,
Galopava a cavalo
Carregando a cruz de Cristo
Pelas ruas estreitas de Badajoz.
Pelo caminho, derruba soldados mouros,
Abre luz às ambições lusitanas!
Nas suas ligeiras pausas, ora aos Céus,
Esperando a aprovação divina
Para mais um feito glorioso!
O rei conquistador mostra-se confiante!
Após uma peleja intensa,
Os almóadas já mal resistem:
A praça está quase tomada!
Afonso prostra-se no chão,
E volta a estender as mãos para o alto,
Oferecendo a Deus mais uma vitória!
Ordena que se hasteie o orgulho lusitano
No topo das imponentes muralhas de Badajoz.
Mas a tarde escurece subitamente,
Os guerreiros portugueses embebedam-se,
Desentendem-se na partilha do saque,
Envolvem-se com prostitutas,
Violam donzelas muçulmanas,
Tornando-se indignos da vitória
E de servir a seu ilustre rei.
A euforia descontrolada e diabolizada
Torna-se num ultraje aos desígnios supremos,
Os risos mordazes ecoam pelas calçadas,
Subestimam todos a imprevisibilidade
Que o destino equaciona reservar!
Oh! Pobres ignorantes
Que nem respeitais o vosso rei,
Nem olhais sequer pela sua segurança!
Ignorais que um novo perigo
Provém do exterior,
Que algumas horas depois
Se ouvirão as trompas ensurdecedoras
Do poderoso exército do rei Fernando II de Leão!!!
Esse soberano cristão,
Qual vassalo da Santa Sé,
Virá em auxílio do governador mouro,
Em nome de um amaldiçoado pacto!
Esse rei indigno da sua fé
Jamais admitiria que Badajoz
Caísse nas mãos lusitanas
Visto que seria uma afronta
Às ambições territoriais leonesas!
Oh! A chegada dos falsos cruzados
Desencadeia o terror nos portugueses,
Entrincheirados em Badajoz.
Muitos tentam fugir pelas muralhas,
Outros são surpreendidos pelo ataque!
Como é que um exército bêbado e vadio
Poderia resistir a uma força disciplinada
Que os cercava a partir do exterior?
Afonso, esse, tenta sozinho
Escapulir-se no meio da anarquia,
Apesar dos seus sessenta anos,
Derruba um primeiro cavaleiro leonês,
E consegue iludir dois que o perseguiam,
Mas é condicionado pelo peso da armadura:
A sua idade limita-lhe os movimentos.
E Badajoz, labirinto de manhas,
Esconde dos seus ocupantes “estrangeiros”
Vias confinadas,
Becos sem saída,
Fantasmas maquiavélicos!
Afonso sente que está perto de lograr a fuga,
Mas quando tenta esgueirar-se
Por uma das portas da muralha exterior,
Colide contra o traiçoeiro ferrolho desta,
Cai de seu cavalo,
Cai da sua epopeia vitoriosa,
Para embater no solo frio,
Na realidade de que tudo tem um fim!
O rei fractura a perna direita,
Agarra-se a ela em lágrimas,
E sofrerá com ela para o resto da vida!
É feito prisioneiro do rei leonês,
E pouco tempo depois libertado!
Afonso, o Pai da lendária Portugalidade,
Jamais se esquecera daquela infame porta,
Fora ela, e não um rei ou imperador,
Que colocara fim à sua hegemonia,
À sua categórica carreira militar.
Fora ela que o destronaria do seu auge bélico
Do seu estatuto mítico imaculado
Para o devolver à mais vulgar condição humana!
Imagem retirada de: http://filhosdehiran.blogspot.pt/2011/09/d-gualdim-pais-templario-o-fundador-da_25.html
Nota-Extra: Poema que tenta retratar o desastre português de Badajoz em 1169. O rei português decidiu ir em auxílio do salteador Geraldo Sem Pavor que já se tinha introduzido no interior das muralhas. Os mouros/almóadas estão prestes a capitular - apenas resistem na alcáçova da cidade. A chegada inesperada das forças de Fernando II de Leão em auxílio do soberano mouro impede que os portugueses possam materializar o triunfo definitivo (o qual estaria iminente). As forças lusas, completamente desorganizadas e indisciplinadas, tornam-se num alvo fácil do inimigo. O rei português tenta fugir por uma das portas da muralha, mas embate contra o ferrolho desta, caindo do cavalo e partindo a perna direita, mazela grave que o acompanhará para o resto da vida. Detido, foi presente diante de Fernando II de Leão (curiosamente seu genro) que tratou de lhe assegurar os cuidados médicos de que necessitava. Não obstante, o rei português só foi libertado mediante o pagamento de um resgate e a devolução de algumas praças ao rei de Leão.
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