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Nesta página electrónica, encontrará poemas e textos de prosa (embora estes últimos em minoria) que visarão várias temáticas: o amor, a natureza, personalidades históricas, o estado social e político do país, a nostalgia, a tristeza, a ilusão, o bom humor...

sábado, 23 de novembro de 2019

Poema nº 377 - A Tribulação do Almeida


A Tribulação do Almeida
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Chega o Almeida ao café
Requisita o jornal
E lê as letras gordas da capa
Praguejando de imediato:
"Ai que a minha carteira se vai esvaziar:
Vão aumentar a luz e a água
O pão e até o meu caviar,
Não sei onde este país vai parar"!

Ao local, arriba uma figura típica
Pede uma esmola
Diz que a vida está cara
E que quer umas sandes!
O Almeida dá-lhe dois euros
Mas reitera que não pode ser sempre
No entanto, ainda lhe sobram dois euros
Tem que ser um gestor inteligente!

Almeida ingere o café
Quase que engole o bigode
Expressão facial de amargura
Culpa das máquinas antigas
Que sentenciam azedumes terríveis
Mas as empregadas são simpáticas
E com o seu sorriso rasgado
Disfarçam o deplorável serviço!

Entra um cobrador associativo
Recolhe para as Festas de Santo Onofre
Em Portugal, o Santo já não dá fortunas
Agora precisa delas para não falir
Já que investiu as poupanças num banco
E depois, tudo se prontificou a sumir!
Lá foi mais um euro doado pelo Almeida
Já não poderá digerir a sua nata!

Entretanto, abeira-se dele o Josefino
Alega que sabe fazer uns truques
Recorre a cartas, moedas e lenços
O Almeida rende-se ao mágico da vila
Ri-se e deixa-se levar pela fantasia
Tenta imitar a façanha
Equivoca-se: mete o derradeiro euro
No bolso então recheado do ilusionista!

O pobre Almeida dirige-se ao balcão
Sem um tostão nos bolsos
Teve que pagar o café com trabalho
Ora lavando a louça
Ora servindo refeições
Laborou por duas horas
Sem direito a resmungar
Se fosse político, tudo lhe era perdoado!





Quadro da autoria de António Soares, pintor lisboeta (1894-1978). 
 Veja-se o site do Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado 

Poema nº 376 - Amocracia


Amocracia
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


No amor, não há domadores
No sexo, talvez,
Mas no amor, não pode haver:
Porque nas sarapintadas planícies
Que percorrem as suas aldeias
Há lugar para a variedade
Das cores das flores
Dos sons emitidos pelos ventos
Das árvores que bambaleiam entre si!
Não há qualquer relance de colonização
Ou de presunção em forma de betão
Males que confundem a construção
Com a corrosão dos padrões!
Nesses vales de felicidade
Não há prisões
Nem juízes
Nem falsas hierarquias.
As imperfeições abraçam-se
Solidárias e tolerantes,
Projectando um arco-íris de emoções
Digno da contemplação mútua!
Podem vir falsos profetas da paixão
Que não passam de faraós excêntricos
À frente de bigas de combate
Disparando flechas de submissão
Mas a Amocracia nunca desaparecerá:
Não perecerá diante da chantagem
E renascerá todos os dias
A cada minuto!
E quem doma quem?
Ninguém.




Imagem retirada algures do Google

Poema nº 375 - À Mulher do Meu Futuro


À Mulher do Meu Futuro
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Sonho com o dealbar da madrugada
Deitado a teu lado
Ora despenteando os teus cabelos
Que afloram o meu rosto
Ora soprando fórmulas afrodisíacas
Aos teus ouvidos que são búzios
Que fazem ecoar os meus desejos!
Indago-me sobre essa madrugada:
Quando ela chegará?
Talvez não saiba,
Por certo, não te vi ainda
Mas sei que existes
É só uma questão dos astros se alinharem
E nos cruzarmos
Numa tarde de chuva
Ou numa manhã de sol,
Num café ou no cinema,
Para que os candeeiros comecem a faiscar
As camas a fermentar de regozijo,
Os lençóis a recriar a atmosfera
Protectora de uma união ardente
Sob o fogo da paixão!
A música do destino
Será composta por nós
E até os querubins cantarão
Pelas duas abençoadas almas
Que desencontradas
Se acharam num beco do labirinto
Para emergir das banais vivências
E construir a sua própria galáxia
As suas luas de mel
E os planetas esculpidos por mimos
Jamais sucumbidos!




 Imagem meramente exemplificativa retirada de: https://www.pinterest.pt/pin/703124560551020543/?lp=true

Poema nº 374 - Uma Missiva


Uma Missiva 
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)

Escrevo-te uma missiva
Não digo que a minha letra
Seja tão bela como a tua alma
Mas é espontânea e sincera
Tal como gostarias.
Sinto saudades de ti
Embora não possas escutar
Os meus cenobíticos anseios
A morte é mesmo assim
Ninguém escapa à sua saga
Não há indultos
Nem para os corações de ouro
Que salvam o nosso planeta
Com as suas missões diárias.
Mas a morte não subverte a gratidão
Não esqueço os mimos
O afecto que me concedeste
O teu lado bondoso,
Hoje sou parte de ti,
Mesmo que não o sintas,
Vives em mim,
Ainda me aconselhas
Diante dos perigos da vida,
Despeço-me com um grande beijo
Minha avó,
E que esta carta chegue ao céu
Depois aparece nos meus sonhos
Pelo menos,
Para dizer que a leste.





Poema escrito no Dia 1 de Novembro ("Dia de Todos os Santos") em memória da minha avó materna

Poema nº 373 - O Coração de D. Pedro IV


O Coração de D. Pedro IV
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


O teu coração é de ouro
Porque cerceou injustiças
Saciou os desfavorecidos
Clamou pela liberdade,
E com o Grito do Ipiranga
Acalentou o sonho de um povo!

O teu coração é de ferro:
No Porto, resististe ao cerco
Combatendo como um soldado raso!
Pela causa da tua filha:
Viste camaradas a tombar a teu lado
Verteste lágrimas de incompreensão.

O teu coração é diferente
Não prioriza nações
Mas orbita entre os ideais nobres!
Mais do que te tornares rei ou imperador
Quiseste sempre ser o herói
Em todos os capítulos da tua vida.

O teu coração é uma relíquia das luzes:
Bateste-te contra as tiranias
Sempre partindo em desvantagem
Contra adversários poderosos!
A paixão e a coragem te alimentavam
A cada dia, a cada vitória!

O teu coração é de madeira
Porque projectou um novo advento
Mediante modestos alicerces,
Poderias ter-te antecipado em vão
Mas afrontaste as sombras
Desembainhando a tua heróica espada!

Fecharam-no a cinco chaves
Esse teu coração de grandeza invulgar,
Ele colapsou quando ainda eras jovem
Mas trabalhou a esboçar a eternidade,
Quantos corações não se salvaram
Na hora em que abriste o portal da liberdade?





Imagem nº 1 - O coração de D. Pedro IV, rei de Portugal e imperador do Brasil, encontra-se guardado num vaso de prata dourada na Igreja da Lapa (Porto).



Nota Adicional: D. Pedro IV foi responsável pelo Grito do Ipiranga (1822) que levou à Independência do Brasil e ao ensejo deste povo multicultural em seguir o seu próprio trilho. Acabará depois por abdicar do título de imperador. Terminará, nos últimos anos da sua vida, a lutar pelo liberalismo e pela causa da sua filha, a rainha D. Maria II de Portugal, contra os absolutistas de D. Miguel que já controlavam o país. Em 1832, sai dos Açores, arquipélago onde se haviam refugiado vários liberais, e desembarca na Praia de Matosinhos. Em breve, chega triunfantemente ao Porto, mas é logo ali cercado pelas forças absolutistas. Após um ano de cerco, os liberais vencem, depois de imensos sacrifícios, e conseguem recuperar muitos mais territórios, forçando D. Miguel ao exílio na Itália. D. Pedro morreria muito pouco tempo depois.

Poema nº 372 - O Silêncio das Minorias


O Silêncio das Minorias
(Quadras da autoria de Laurentino Piçarra)


Disseram-nos que é hoje legal
Construir palácios em desertos
Vivemos numa sociedade desigual
Onde privilegiamos ricos e espertos.

Estereotipam-se raças e etnias
Como se houvesse um ADN mau
Um vírus que embute sintonias
Nas ideologias dos caras de pau!

Marginalizaram-lhes as palavras
O futuro ainda estará por nascer
Mas são já caravaneiros perdidos
Numa rota que não os deixa vencer.

Ninguém os quer, todos os abominam!
Só as elites se consideram incorruptíveis
Talvez não sintam os odores que as putrificam
Almofadadas por modelos sociais falíveis!

Há tanta gente nobilitada pela calada
Enquanto outros desesperam por alimento;
Iludem-nos com uma miséria disfarçada
Uma ligadura tosca para encobrir o ferimento!




Foto da autoria de Fabrício Mota in site Agência Pública
(Poema contra a discriminação étnica e racial e o radicalismo político/elitista)

Poema nº 371 - O Franzino Magnífico


O Franzino Magnífico 
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Lá vai o franzino
Esgueira-se pelas portas
Finta a polícia
Ludibria os mauzões
Todos o perseguem
Mas ninguém o alcança,
Ele corre trajado de negro
Munido da sua bengala
E do seu chapéu de coco.
Dá-se pelo nome de Charlie,
O génio improvisa,
Constrói e desconstrói,
Emerge da confusão da vida,
Fazendo os outros sorrir
Com a sua simplicidade,
A ousadia das suas intenções!
Ele mal fala,
Mas cuida do seu bigode,
É o sábio do humor
Que reina sem palavras.
Luta, dança e corre
É a realização humana
Que dispensa bússolas
Ou planos!
Tudo é frenético e intenso
O momento faz a existência
E se assim não fosse,
Charlie nasceria na hora errada,
Num mundo eternamente adiado,
Mas graças à sua volúpia incessante
Até o Universo
Ele conseguiu pagodear.





Imagem antiga de Charlie Chaplin extraída após uma pesquisa no Google

Poema nº 370 - Sarcófago de Memórias


Sarcófago de Memórias
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Vistoriei as palavras do passado
Aprovisionadas num sarcófago imóvel
Que perpetua o meu ego retalhado
Subterfúgio soturno do turbilhão ignóbil.

Não fustigo os deuses da arte faustosa
Que me induzem em mil labirintos
Como se fosse uma alma engenhosa
Capaz de mergulhar em sonhos tintos!

Sou atraído pelo delírio ideológico plural
Arquivo o que penso e o que não penso
Carrego na mente um fardo memorial.

Se pudesse simplificar a existência
Talvez morreria pouco tempo depois
Porque não se vive sem penitência!




Fotografia retirada de Sapo Imagens

Poema nº 369 - Sobre o Inconformismo Sindical


Sobre o Inconformismo Sindical
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)

Admiro um sindicalista sensato
Que trate todos por igual
Públicos e privados,
Sem mendigar mediatismo
Com propostas ilusórias.
Agora os outros que querem antena
Mais parecem besouros insaciáveis
O seu zumbido inquieta-me!
Quando se tornarem alquimistas
E transformarem ferro em ouro
Numa demanda pela pedra filosofal
Eu serei o maior sindicalista
Que o país já viu,
Mas até lá
Não se iludam:
Não há petróleo em Portugal,
Não há robots para nosso repouso,
Não há dez Bill Gates na tecnologia,
Por isso,
Desçam do País da Alice das Maravilhas
Conheçam o que vos rodeia
E questionem-se:
De que adiantam aumentos salariais
E outras volumosas reivindicações
Se não há camas nos hospitais?
Ou comida suficiente nas escolas?
Querem fazer o telhado sem os pilares?
Que arquitectura social apregoam então?
Tende por certo que as pequenas vitórias
Por vezes, são as melhores,
Sem elas,
A matemática não vos mostrará clemência
Nem o povo
Beberá da poção da paciência!





Imagem retirada algures do Google


Nota-Extra: Este poema não pretende colocar em causa a existência e o legado do sindicalismo em Portugal e o seu papel histórico na melhoria das condições laborais, contudo muitas das exigências recentes têm-se pautado por excessos incompreensíveis que parecem estar desenquadrados da realidade. Estes versos alertam para a necessidade de uma maior moderação das reivindicações e numa estratégia de defesa igualitária dos trabalhadores públicos e privados.

Poema nº 368 - Nevoeiros de Alma


Nevoeiros de Alma
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Descanso mas não me omito
Nestes devaneios periclitantes
Em que da nostalgia sou súbdito:
Brumas de alma desconcertantes!

Não sei qual é a filosofia mestra
Que nos prende à realidade terrena,
Sinto na chuva a indelével orquestra
Devoluta da almejada paz serena.

E todos os ideais ali se encriptam,
Mesmo que não os assimilemos
Porque algumas gotas nos atrofiam.

O dia solitário cede à melancolia
Mas até esta nos elucida no percurso
Como uma suave e tenra homilia.




Imagem retirada algures do Google