A Tribulação do Almeida
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)
Chega o Almeida ao café
Requisita o jornal
E lê as letras gordas da capa
Praguejando de imediato:
"Ai que a minha carteira se vai esvaziar:
Vão aumentar a luz e a água
O pão e até o meu caviar,
Não sei onde este país vai parar"!
Ao local, arriba uma figura típica
Pede uma esmola
Diz que a vida está cara
E que quer umas sandes!
O Almeida dá-lhe dois euros
Mas reitera que não pode ser sempre
No entanto, ainda lhe sobram dois euros
Tem que ser um gestor inteligente!
Almeida ingere o café
Quase que engole o bigode
Expressão facial de amargura
Culpa das máquinas antigas
Que sentenciam azedumes terríveis
Mas as empregadas são simpáticas
E com o seu sorriso rasgado
Disfarçam o deplorável serviço!
Entra um cobrador associativo
Recolhe para as Festas de Santo Onofre
Em Portugal, o Santo já não dá fortunas
Agora precisa delas para não falir
Já que investiu as poupanças num banco
E depois, tudo se prontificou a sumir!
Lá foi mais um euro doado pelo Almeida
Já não poderá digerir a sua nata!
Entretanto, abeira-se dele o Josefino
Alega que sabe fazer uns truques
Recorre a cartas, moedas e lenços
O Almeida rende-se ao mágico da vila
Ri-se e deixa-se levar pela fantasia
Tenta imitar a façanha
Equivoca-se: mete o derradeiro euro
No bolso então recheado do ilusionista!
O pobre Almeida dirige-se ao balcão
Sem um tostão nos bolsos
Teve que pagar o café com trabalho
Ora lavando a louça
Ora servindo refeições
Laborou por duas horas
Sem direito a resmungar
Se fosse político, tudo lhe era perdoado!
Quadro da autoria de António Soares, pintor lisboeta (1894-1978).
Veja-se o site do Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado
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