Céu de Núpcias
(Poema em forma de crónica da autoria de Laurentino Piçarra)
Os pássaros voam pelas serranias,
A lua prepara o enxoval da princesa
E as damas acodem nos preparativos
Para os insignes convidados!
Salúquia, senhora de Moura
Vai abraçar o sol da sua vida:
Bráfama, alcaide de Aroche,
Está a caminho com sua comitiva
Com prendas e promessas genuínas!
Cantam os anjos que o amor os uniu
Sob a fé de Maomé!
Os olhos verdes da princesa,
Esmeraldas que reflectiam sua alma,
O seu cabelo negro encaracolado
Que mergulhava na noite profunda,
E a sua alvura facial
Que só por si enchia de tentação
Qualquer homem nobre,
Preenchiam a sua sublime fisionomia!
Do alto do minarete, ela mirava os montes
E esperava pelo cortejo do seu amor!
Bráfama já se encontra a uma légua,
Moreno de rosto, e de nariz achatado,
Ele escolheu o manto da cor dos olhos
Do seu amor,
Um verde clarinho, um verde puro,
Mas de repente, a neblina emerge
E traz consigo maus presságios:.
Os cavalos começam a relinchar
A agitação toma conta do seu séquito,
E junto a um olival amaldiçoado
Por antigos feiticeiros pagãos,
Cavaleiros cristãos irrompem,
Atacando a retaguarda dos homens de Aroche,
Eram os vassalos de Afonso Henriques,
Os irmãos Pedro e Álvaro Rodrigues
Conhecidos pelas suas infames emboscadas!
Bráfama encontra-se desprotegido,
Encurralado como um cordeiro
Não tem para onde fugir
Sabe que tem de enfrentar o destino
Numa luta que lhe é inglória!
Antes disso, beija a flor
Que encomendara da Pérsia
Para oferecer à mulher da sua vida,
E faz repousá-la no chão calmamente
Até que o vento a leve daquele palco
Manchado de sangue e de terror.
Despedindo-se dos sonhos perdidos,
Corre e derruba um primeiro cavaleiro,
Mas acaba atingido por uma flecha
Arremetida por outro.
Ah! Salúquia, o teu Romeu perecia
Sem ter cometido qualquer crime,
E os atacantes queriam mais sangue,
Queriam o teu castelo,
Despiram então as suas armaduras
E vestiram as roupas da comitiva morta,
Rumaram até ao portão da muralha,
E tu, alegre, princesa da sinceridade
Mandaste baixar a ponte levadiça
Abriste as tuas portas de luz,
Porque pensavas que era o teu amado
E os seus familiares,
Mas não, eram demónios disfarçados
Sem qualquer ética
Que caíram logo sobre o teu povo,
Matando e violando sem piedade,
E tu, do alto do minarete,
Vertias lágrimas de confissão a Maomé
Enquanto vias o sangue do teu povo
A ser derramado pelas ruelas.
Fiel a ti mesma,
Ainda enviaste os melhores soldados
Para travar a chacina
Mas já era tarde,
A praça estava perdida,
Quando as portas do teu próprio castelo
Se preparavam para ceder,
Olhaste para o céu,
Viste a alma do teu amado
A acenar para ti
Com a flor que evolara com ele,
E fiel ao amor,
Voaste da torre
Fazendo precipitar o teu corpo
No solo ensanguentado,
Enquanto o teu espírito
Se elevou até ao além
Para celebrar o matrimónio
Com o teu amado Bráfama.
E as cinzas que naquele dia
Se expurgavam pelos ares de Moura,
Não eram provocadas pelos incêndios
Ou pelo massacre do inimigo cruel,
Mas eram antes os resquícios
Do vosso fogo indomável de amor
Que agora se entrelaçava no céu de núpcias!
Direitos da Imagem - Câmara Municipal de Moura
Nota adicional: Lenda ou facto verídico? Ninguém saberá responder com a devida ciência. Certo é que a lenda da princesa moura foi determinante para a denominação toponímica desta sede de concelho alentejano e ainda se poderá observar tal lenda repercutida no brasão de Moura que representa o suicídio de Salúquia então tombada no chão (atirou-se da torre, acabando por se esmagar contra o solo). Podemos assim dizer que Salúquia, de existência real ou fictícia, inspirou a designação, a identidade e o brasão desta terra.