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Nesta página electrónica, encontrará poemas e textos de prosa (embora estes últimos em minoria) que visarão várias temáticas: o amor, a natureza, personalidades históricas, o estado social e político do país, a nostalgia, a tristeza, a ilusão, o bom humor...

sábado, 9 de março de 2019

Poema nº 331 - A Curandeira do Amor


A Curandeira do Amor 
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Vagueaste pela minha imaginação
Mas sei que no fundo não existes
Porque idealizas toda a perfeição
O único paraíso dos homens tristes.

Não te voltarei a reproduzir na mente
Nem serei traidor da realidade frívola
Porque és um anjo perdido a poente
E eu não quero jazer na ilusão florida.

Viverás como fiel curandeira dos rios 
Como ninfa vestal dos homens aviltados
Que ali olvidam seus deslustres sombrios. 

Já me saraste com as tuas palavras
Mas agora permite-me que te deixe
Num até nunca, num sonho vazio.





Poema nº 330 - O Urso de Belmonte


O Urso de Belmonte 
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Galopa o cavalo do rei-poeta
Percorre florestas e aldeias ermas
Embrenhado na aventura da caça.
A tarde não parece ser produtiva
D. Dinis solta umas cantigas de amigo
Mas as musas dos bosques não o ouvem
Nem a rainha Isabel que ficou em Leiria.
Sozinho, começa a estranhar o cenário
Apercebe-se de movimentos
Oriundos de uns arbustos
Que abeiravam um penhasco:
Sente-se incomodado
Teme que seja um salteador
E desembainhando a sua espada
Rege o cavalo naquela direcção
Por segundos pára
O silêncio parece ter regressado
Desvia o olhar para trás
E subestima os perigos!
Repentinamente dos arbustos
Sai um animal robusto
Um urso pardo
Que não teme o trovador da cultura
O reformador da nação,
E com um dos seus membros peludos,
Qual muralha móvel de energia,
Derruba o rei
Que salta do cavalo,
Desamparado,
Rebolando pelo solo já íngreme
Sentindo as silvas ominosas
Que o separavam a poucos passos
Do precipício florestal da morte.
O urso vai no seu encalce
O rei reza semi-inconscientemente
Lembra-se de São Luís de Toulouse,
Bispo jovem que amava os pobres
E até a própria música,
E num abrir e fechar de olhos
Como muitos outros que se sucederam
O rei jura ver o Santo
Promete que o compensará
Que lhe dedicará um mosteiro
Se interceder pela salvação dele,
São Luís insta-o a sacar do punhal
Que traz à cintura,
E D. Dinis, ao sentir a abordagem
Daquela indomável fera
Vira-se, cravando-lhe o punhal
Em cheio no coração,
Saindo vitorioso do duelo desigual!
O rei benze-se
Ainda em São Pedro de Pomares
E depois de se reencontrar
Com os seus vassalos e soldados
Regressa ao lar
Para mimar a rainha
Que merecia todo o seu afecto.
Mas o rei não esquece a sua promessa
De honrar o milagre do "Santo Vivo"
E da sua inacreditável aparição,
Erigindo-lhe um mosteiro único
No lugar idílico de Odivelas
Casa de oração e fraternidade
Que poucas décadas depois
Será o lar derradeiro do rei construtor
Que ali repousaria eternamente
Abraçando os sonhos do além.





Imagem nº 1 - Túmulo de D. Dinis no Mosteiro de Odivelas com representações nos seus alicerces que aludem possivelmente ao episódio da fera.


Nota adicional: Lenda ou Acontecimento Verídico - O Mosteiro de Odivelas construído em 1295 por D. Dinis em homenagem a São Luís, jovem Bispo de Toulouse, ainda vivo aquando da aparição relatada, tem gerado discussões acerca da veracidade da história ou lenda em torno do eventual ataque do urso ao soberano português. O próprio túmulo de D. Dinis, o qual viria a ser ali sepultado, exibe numa das extremidades inferiores a imagem de um urso, o que indicia a possibilidade do ataque do animal predador ter sido uma realidade em Belmonte, um sítio de São Pedro Pomares, Alentejo. Não confundir com Belmonte, concelho da Guarda já perto da fronteira com Espanha. Por seu turno, os ursos pardos existiram em Portugal até ao século XIX. Pelo que é possível que D. Dinis tenha travado um duelo escabroso com um deles na Idade Média, quando os seus vassalos não estavam ao seu lado para o ajudar naquele momento.

Poema nº 329 - Céu de Núpcias


Céu de Núpcias 
(Poema em forma de crónica da autoria de Laurentino Piçarra)


Os pássaros voam pelas serranias,
A lua prepara o enxoval da princesa
E as damas acodem nos preparativos
Para os insignes convidados!
Salúquia, senhora de Moura
Vai abraçar o sol da sua vida:
Bráfama, alcaide de Aroche,
Está a caminho com sua comitiva
Com prendas e promessas genuínas!
Cantam os anjos que o amor os uniu
Sob a fé de Maomé!
Os olhos verdes da princesa,
Esmeraldas que reflectiam sua alma,
O seu cabelo negro encaracolado
Que mergulhava na noite profunda,
E a sua alvura facial
Que só por si enchia de tentação
Qualquer homem nobre,
Preenchiam a sua sublime fisionomia!
Do alto do minarete, ela mirava os montes
E esperava pelo cortejo do seu amor!
Bráfama já se encontra a uma légua,
Moreno de rosto, e de nariz achatado,
Ele escolheu o manto da cor dos olhos
Do seu amor,
Um verde clarinho, um verde puro,
Mas de repente, a neblina emerge
E traz consigo maus presságios:.
Os cavalos começam a relinchar
A agitação toma conta do seu séquito,
E junto a um olival amaldiçoado
Por antigos feiticeiros pagãos,
Cavaleiros cristãos irrompem,
Atacando a retaguarda dos homens de Aroche,
Eram os vassalos de Afonso Henriques,
Os irmãos Pedro e Álvaro Rodrigues
Conhecidos pelas suas infames emboscadas!
Bráfama encontra-se desprotegido,
Encurralado como um cordeiro
Não tem para onde fugir
Sabe que tem de enfrentar o destino
Numa luta que lhe é inglória!
Antes disso, beija a flor
Que encomendara da Pérsia
Para oferecer à mulher da sua vida,
E faz repousá-la no chão calmamente
Até que o vento a leve daquele palco
Manchado de sangue e de terror.
Despedindo-se dos sonhos perdidos,
Corre e derruba um primeiro cavaleiro,
Mas acaba atingido por uma flecha
Arremetida por outro.
Ah! Salúquia, o teu Romeu perecia
Sem ter cometido qualquer crime,
E os atacantes queriam mais sangue,
Queriam o teu castelo,
Despiram então as suas armaduras
E vestiram as roupas da comitiva morta,
Rumaram até ao portão da muralha,
E tu, alegre, princesa da sinceridade
Mandaste baixar a ponte levadiça
Abriste as tuas portas de luz,
Porque pensavas que era o teu amado
E os seus familiares,
Mas não, eram demónios disfarçados
Sem qualquer ética
Que caíram logo sobre o teu povo,
Matando e violando sem piedade,
E tu, do alto do minarete,
Vertias lágrimas de confissão a Maomé
Enquanto vias o sangue do teu povo
A ser derramado pelas ruelas.
Fiel a ti mesma,
Ainda enviaste os melhores soldados
Para travar a chacina
Mas já era tarde,
A praça estava perdida,
Quando as portas do teu próprio castelo
Se preparavam para ceder,
Olhaste para o céu,
Viste a alma do teu amado
A acenar para ti
Com a flor que evolara com ele,
E fiel ao amor,
Voaste da torre
Fazendo precipitar o teu corpo
No solo ensanguentado,
Enquanto o teu espírito
Se elevou até ao além
Para celebrar o matrimónio
Com o teu amado Bráfama.
E as cinzas que naquele dia
Se expurgavam pelos ares de Moura,
Não eram provocadas pelos incêndios
Ou pelo massacre do inimigo cruel,
Mas eram antes os resquícios
Do vosso fogo indomável de amor
Que agora se entrelaçava no céu de núpcias!





Direitos da Imagem - Câmara Municipal de Moura


Nota adicional: Lenda ou facto verídico? Ninguém saberá responder com a devida ciência. Certo é que a lenda da princesa moura foi determinante para a denominação toponímica desta sede de concelho alentejano e ainda se poderá observar tal lenda repercutida no brasão de Moura que representa o suicídio de Salúquia então tombada no chão (atirou-se da torre, acabando por se esmagar contra o solo). Podemos assim dizer que Salúquia, de existência real ou fictícia, inspirou a designação, a identidade e o brasão desta terra.

quarta-feira, 6 de março de 2019

Poema nº 328 - Cais da Alvorada


Cais da Alvorada
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Sei que tenho por aí um barco 
Não me perguntem onde o deixei
Porque todo o sal do mar é amargo
E as correntes, veredictos que enfrentei!

Não desafio que o encontrem por mim
Porque ele é filho do nevoeiro incerto
E não vos servirá para qualquer fim:
Ele só terá rumo se me tiver por perto. 

O barco preserva a sua alma esquecida
Mesmo que a sua madeira não me fale
Nos dias em que o seu cais cede à filosofia.

Sou mais um náufrago da maré agitada
Mas não sou o único capitão sem leme
Milhões procuram o navio da sua alvorada.




 Foto da autoria de Stefan Liebermman. Porto/Cais de Palafita - Comporta.

Poema nº 327 - Idiossincrasia Espontânea


Idiossincrasia Espontânea
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Não sei o que sou
Mas queria muito acreditar
Que sou diferente
Não me especifico só pelo ADN
Ou pelas impressões digitais
Como ainda sou um refugiado esquecido
Que aderiu a uma casta ideológica
Com princípios intocáveis
Ainda não inerentes aos partidos
Que tutelam o país.
Contudo não quero o poder
Que corrompe mentes saudáveis
E arruína o caminho do bem.
Almejo ser um banqueiro de sentimentos
Emprestar a felicidade sem juros
Travar a inflação da tristeza nos outros
Tornar a economia súbdita do amor
E que se dane toda a infinidade de euros:
Podem oferecê-los aos que nada têm
Honrando as vossas directrizes bíblicas.
Basta-nos o necessário para viver
E não exigir dos outros
Aquilo que nós não podemos oferecer.
É por isso que procuro sorrir a todos
Apenas vos posso doar isso!
Nunca traduzam a alegria em euros:
O que é natural ou espontâneo
Mesmo que de expressão parcimoniosa
Supera as extravagâncias do artificial
E quem doutrinar o contrário
Insere-se nesse colectivo social crescente
Que alienado pela arrogância e miopia
Deseja conquistar todo o universo
Sem antes cuidar da sua casa
Da sua floresta, do seu país, do seu planeta!





Gravura meramente exemplificativa retirada algures do Google Imagens

Poema nº 326 - Sacerdotisa do Fogo Selvagem



Sacerdotisa do Fogo Selvagem
(Soneto livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Menti-te sobre os planos de Deus
Porque és a mulher do Apocalipse
Que profanaste os sonhos fariseus
Baluartes imaculados do meu existir.

Tiraste-me o meu templo de utopia
Bebeste do vinho da ingenuidade
Que encimava a mesa da mocidade
E cobriste o meu altar de apostasia.

De túnica branca, pregas a lei do amor
És a sacerdotisa que libertas prisioneiros
Das celas sedentárias do credo dissuasor!

Imagina os homens que enfeitiçaste
Biliões talvez, desde o início dos tempos
Mulher invisível do fogo que une almas!






terça-feira, 5 de março de 2019

Poema nº 325 - A Pintura do Coração Divino


A Pintura do Coração Divino
(Poema da autoria de Laurentino Piçarra)


Não há nada mais excruciante
Do que não escutar o teu coração
Bosque sagrado e inexplorado
Que oculta ídolos do amor
Esculpidos em madeira
Que se encontram nas ermidas
Envolvidas pela vegetação cerrada,
E no entanto, o aroma dos eucaliptos
Acompanha as tuas pulsações
Suavizadoras das marés emocionais
Dos caminhantes extraviados!
Esse é o teu cunho pessoal.
Mas estás longe de mim
Resides no teu palácio
Que acastela a imensidão florestal,
E eu, vítima do contexto,
Vivo nas masmorras da resignação,
O teu chão é adornado por tapetes persas
O meu é térreo.
O teu céu é dotado de anjos e prodígios
O meu foi absorvido pelas brumas,
O teu horizonte cobre-se de árvores e pardais,
O meu apenas um cubículo de pedra.
E nisto me pergunto:
Como consegues ser divina de ti mesma
Enquanto eu sou a razão de te pintar assim?




Imagem meramente exemplificativa retirada de: https://br.pinterest.com/pin/339107046921719848/

Poema nº 324 - Escultores Renascidos



Escultores Renascidos
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


A arte é uma metáfora da mente
Esculpida em pedra imemorial
Nos confins de um castro ausente
Ruínas soturnas de um silêncio social.

Modelam-se rostos, máscaras sentidas
Constroem-se e desconstroem-se olhares
Estendem-se mãos de vidas repelidas
Almas cativas em estátuas crepusculares.

Somos escultores da nossa existência
Silenciamos pelo cinzel os murmúrios
Aparamos os sentimentos de emergência.

E quando concluímos a elegante obra 
Não satisfeitos, recomeçamos outra vez:
Até que diante do tempo nada sobra!




Poema nº 323 - A Ilha da Felicidade Pagã



A Ilha da Felicidade Pagã
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Soçobrou a minha alma numa ilha
Coberta por um imenso matagal
Herança dos Deuses da partilha
Desse sonho da aventura conjugal.

Saciei-me nos seus tímidos riachos,
Entrei na cripta do tesouro proibido
Traído muitas vezes por fogachos
Que turvavam o intento desinibido!

Sentia-me só, mas dentro do mundo,
Um náufrago de marés emocionais
Agora capitão de um prazer fecundo!

Aderem ao areal bússolas e astrolábios
Apetrechos fúteis para uma cultura pagã
Onde o amor é a simplicidade dos sábios!







Nota-Extra: Cripta = gruta, caverna, passagem subterrânea natural ou de construção artificial

Poema nº 322 - Aldeia Universal


Aldeia Universal
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Aceitei o teu pecado:
Mataste-me nas tuas memórias
Fazendo dos nossos isolados encontros
Desperdícios casuais.
Eu procurei em ti
O alimento da alma
Mas tu, ceifeira, senhora da sua seara,
Não deixaste abeirar-me da tua farinha,
Encerraste o teu coração numa torre de pedra
Envolvida por lancinantes espigas de trigo!
Mas eu não desisti:
Construí uma escada de madeira
Atravessei a vegetação ofuscante
E abordei a tua fortificação empedernida!
Alcancei a janela da atalaia
Mas tu logo afluíste a ela:
Abriste-a
Beijaste-me,
Afagaste o meu rosto
E depois empurraste-me
Brusca e friamente,
Desde o alto dos meus almejos
Fazendo tombar o meu corpo
E a minha escada inglória
No solo duro e frio da realidade!
Os corvos irromperam logo nos céus
Enquanto o meu corpo mortificava
Aguardando o fim inevitável.
Ainda ouvi ladainhas ao longe
Eram os monges dos teus sonhos
Protectores da tua jovialidade
E da tua integridade sensual,
Que se aproximavam para sepultar
O meu cadáver sentimental!
Os olhos fecharam-se no vazio
Na solicitude de um milagre revitalizante!
Ressuscitaria depois na tua ausência
Para viver noutra aldeia,
Ali voltei a perseguir o alimento do amor
Nāo nas searas ou nos moinhos
Mas numa cabana de sonhos vivos:
"Véu de dança" de dois corpos
Fusão sagrada de duas almas perdidas
Que rematam em si o Firmamento Corporal!
Desse copular de beijos-cometas
Se procriarão novas estrelas:
Filhas e filhos do futuro,
Que não tomarão torres,
Mas antes os castelos mais indomáveis!





Poema nº 321 - Moedas da Perdição


Moedas da Perdição
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Cunham-se moedas
Podem ser de ouro ou prata
Ou até falsas,
A sociedade manuseia-as
O homem avalia-se por elas,
Pela sua quantidade,
Como aquelas tivessem almas
Que pudessem suprir mil provações!
Mas essa nova autoridade é suprema,
Egoísta na sua essência,
Indiferente face a tudo,
Esclavagista dos horizontes humanos
Ao ponto de seduzir muitos 
Nos atalhos perigosos da euforia
Da obsessão infinita
Ou até da subversão da lei.
As moedas são relíquias milenares
De uma divindade malévola
Que não calculou limites
Nem qualquer bom senso.
Resta-nos a resignação:
Não podemos contestá-las
Apenas zelar para que estejam limpas
Mas que nunca brilhem intensamente
Tal seria sinal do seu percurso ilícito
Recheado de caprichos mercenários
Dos seus anteriores portadores!
Chega-nos o quanto baste,
Nada justifica
A clonagem de matrizes artificiais
Que sacrifiquem os nossos princípios
Porque esses não têm preço
São estatuetas de um templo antigo
Que veiculam a justiça e o amor
Para a salvação do mundo,
Com o mandamento de acudir 
Os que nada têm!





Imagem retirada de: https://nationalgeographic.sapo.pt/ 
(Foto: Alexandre Monteiro)