O Urso de Belmonte
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)
Galopa o cavalo do rei-poeta
Percorre florestas e aldeias ermas
Embrenhado na aventura da caça.
A tarde não parece ser produtiva
D. Dinis solta umas cantigas de amigo
Mas as musas dos bosques não o ouvem
Nem a rainha Isabel que ficou em Leiria.
Sozinho, começa a estranhar o cenário
Apercebe-se de movimentos
Oriundos de uns arbustos
Que abeiravam um penhasco:
Sente-se incomodado
Teme que seja um salteador
E desembainhando a sua espada
Rege o cavalo naquela direcção
Por segundos pára
O silêncio parece ter regressado
Desvia o olhar para trás
E subestima os perigos!
Repentinamente dos arbustos
Sai um animal robusto
Um urso pardo
Que não teme o trovador da cultura
O reformador da nação,
E com um dos seus membros peludos,
Qual muralha móvel de energia,
Derruba o rei
Que salta do cavalo,
Desamparado,
Rebolando pelo solo já íngreme
Sentindo as silvas ominosas
Que o separavam a poucos passos
Do precipício florestal da morte.
O urso vai no seu encalce
O rei reza semi-inconscientemente
Lembra-se de São Luís de Toulouse,
Bispo jovem que amava os pobres
E até a própria música,
E num abrir e fechar de olhos
Como muitos outros que se sucederam
O rei jura ver o Santo
Promete que o compensará
Que lhe dedicará um mosteiro
Se interceder pela salvação dele,
São Luís insta-o a sacar do punhal
Que traz à cintura,
E D. Dinis, ao sentir a abordagem
Daquela indomável fera
Vira-se, cravando-lhe o punhal
Em cheio no coração,
Saindo vitorioso do duelo desigual!
O rei benze-se
Ainda em São Pedro de Pomares
E depois de se reencontrar
Com os seus vassalos e soldados
Regressa ao lar
Para mimar a rainha
Que merecia todo o seu afecto.
Mas o rei não esquece a sua promessa
De honrar o milagre do "Santo Vivo"
E da sua inacreditável aparição,
Erigindo-lhe um mosteiro único
No lugar idílico de Odivelas
Casa de oração e fraternidade
Que poucas décadas depois
Será o lar derradeiro do rei construtor
Que ali repousaria eternamente
Abraçando os sonhos do além.
Imagem nº 1 - Túmulo de D. Dinis no Mosteiro de Odivelas com representações nos seus alicerces que aludem possivelmente ao episódio da fera.
Retirada de: http://capeiaarraiana.pt/
Nota adicional: Lenda ou Acontecimento Verídico - O Mosteiro de Odivelas construído em 1295 por D. Dinis em homenagem a São Luís, jovem Bispo de Toulouse, ainda vivo aquando da aparição relatada, tem gerado discussões acerca da veracidade da história ou lenda em torno do eventual ataque do urso ao soberano português. O próprio túmulo de D. Dinis, o qual viria a ser ali sepultado, exibe numa das extremidades inferiores a imagem de um urso, o que indicia a possibilidade do ataque do animal predador ter sido uma realidade em Belmonte, um sítio de São Pedro Pomares, Alentejo. Não confundir com Belmonte, concelho da Guarda já perto da fronteira com Espanha. Por seu turno, os ursos pardos existiram em Portugal até ao século XIX. Pelo que é possível que D. Dinis tenha travado um duelo escabroso com um deles na Idade Média, quando os seus vassalos não estavam ao seu lado para o ajudar naquele momento.
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