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Nesta página electrónica, encontrará poemas e textos de prosa (embora estes últimos em minoria) que visarão várias temáticas: o amor, a natureza, personalidades históricas, o estado social e político do país, a nostalgia, a tristeza, a ilusão, o bom humor...

domingo, 28 de junho de 2015

Poema nº 95 - O Azar do Garanhão Faustino



O Azar do Garanhão Faustino
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Faustino era cá um grande borracho
Um homem cheio de dinheiro e lábia
Que via a mulher como um ser baixo
Sobrando só a sua sensualidade doutrinária.

Ele revelava ser o pior dos machistas,
Privilegiava o exclusivo e infindável prazer
Banalizava o sexo como meio de lazer,
O móbil das suas sombras egoístas. 

Depois de galantear diversas donzelas,
Conheceu Rosa, uma jovem deslumbrante
Mas portadora duma ciumeira torturante!

Um dia, o Don Juan acordou bem cedo,
Mas já sem qualquer direito ao abono:
Com uma cirurgia, a Rosa rematou o enredo!

Poema nº 94 - O Desterro da Cara Metade


O Desterro da Cara-Metade
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Queria conhecer a árvore primorosa
Sim, aquela que me foi predestinada
Pelas imensas constelações do Firmamento 
Para me aconchegar nesta era conturbada. 

Decerto que ainda não te descobri,
Senão brilharias com semelhante fulgor
Conquistando logo os meus olhos húmidos
Com os teus belos frutos que saram qualquer dissabor.

Vasculhei por uma infinidade de arbustos,
Penetrei em diversos e longínquos pinhais
Mas não detectei o teu perfume e cerejas celestiais!

Fui explorador como Marco Polo, encetei várias tentativas,
Mas deparei-me com a desesperante burocracia da vida,
Que o nosso desencontro alimenta com as suas partidas.




 

Poema nº 93 - Boca Incapaz


Boca Incapaz 
(Soneto de cariz irregular da autoria de Laurentino Piçarra)


Não tenho a coragem necessária para te dizer
O quão bela tu és, e que me fazes crescer
Na fantasia, nos floreados sonhos de cada dia
Mesmo quando me encontro confinado numa abadia!

Só por ti, valeu a pena vir a este mundo,
Nunca olvidarei o teu sorriso contagiante 
Que esboçavas, perante mim - um pobre vagabundo
Reduzido a um perfil social decerto melindrante. 

Não, nunca te confidenciei a minha paixão,
Convencido de que jamais possuiria argumentos
Para conquistar a mulher majestosa do meu coração!

Se soubesses o quanto os teus olhos brilham,
E que os teus longos cabelos pretos me arrepiam, 
Reconhecerias que és um fenómeno ultra-natural!

A tua elegância certifica o astronómico pedestal
Que ocupas com uma irresistível sensualidade ninfal
Fazendo de mim - teu súbdito silencioso mas leal!





Desenho exemplificativo duma deusa (irlandesa) retirado de: http://nephalasuniversomgico.blogspot.pt/2013/02/deusa-morrigan.html 

Poema nº 92 - O Silêncio da Estação Derradeira


O Silêncio da Estação Derradeira
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Escuto apenas o eco do vazio
Que penetra a minha pobre alma
Causando-me um sério arrepio
Nesta desconcertante calma.

O impasse atormenta-me a vida!
O comboio nunca mais chega
Para me ceder a esperada guarida 
E fugir ao destino que me verga!

Encontro-me abandonado na estação:
Onde impera a impávida escuridão
Aliada ao eterno silêncio do nada.

Não avisto luzes nem sequer corações!
Sou afinal cativo nesta última paragem:
Perpétua e indiferente às emoções.




quarta-feira, 24 de junho de 2015

Poema nº 91 - O Legionário Romano de São Cucufate


O Legionário Romano de São Cucufate
(Poema da autoria de Laurentino Piçarra)


Palmilho os carreiros da história,
Munido de uma espada reluzente
Canto a Júlio César a minha vitória
Revelando a minha alma impelente!

Na villa reside um senhor audacioso
Que se banha em termas relaxantes
E brinda cada convidado primoroso
Com vinhos de talha exuberantes!

A mansão é um hino à arquitectura
A sua dimensão um poema à opulência!
As fachadas e as varandas de irreverência
Preenchem um cenário de larga fartura.

Do segundo piso, ele avista a paisagem
Acompanhado de sua mulher graciosa
Que exala uma fisionomia vistosa:
É fruto proibido que gera miragem!

No vetusto templo oramos a Baco
Para que zele pelos nossos vinhedos
Emprestando a firmeza de seu braço
Libertador dos mais remotos medos!

As águas dos tanques saciam a sede
Dos criados que laboram com ardor
Naquele lagar prensado de sabor
Que puro vinho ou azeite expede!

Na entrada, vejo uma oliveira frondosa
Que derrama e entorna lágrimas de Pompeia
No meu agitado vulcão que lava galhardeia
Por causa duma bela mulher de Pax Julia!

Ó Vénus, ajudai-me na busca pelo amor
Já que o meu amuleto não atrai sorte
Mas sim uma intensa e horrenda dor
Que me abandona à beira da morte!

Mas não há tempo para o profundo sentir!
Empenho-me na missão que me confiaram:
Proteger o que outros ousaram produzir,
Salvaguardar as inovações que brotaram!

O meu ofício é de moderado esmero
Não vislumbro salteadores na região:
Subsiste pão e paz neste sadio tempero
E uma aragem que serve de inspiração!

Um dia, perto do aqueduto, topei um gato
Desmaiei com o calor e tive uma visão:
Nesta terra, nasceria um futuro mosteiro cristão
E seria também berço dum escritor de talento nato!

Acordei socorrido pelos criados apreensivos
Acalmei-os e disse-lhes que éramos uns vencedores
Porque residíamos numa terra pré-destinada
A almejar os píncaros dos divinos louvores!




Villa Romana de São Cucufate (Vila de Frades)

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Poema nº 90 - Mistérios da Ilha da Beautitude


Mistérios da Ilha da Beatitude
(Soneto da minha autoria)


No Pacífico, subsistia uma ilha exótica
Adornada por palmeiras colonizadoras,
As quais submetidas pelas ventanias sedutoras
Procediam à sua indescritível dança erótica.

A vasta maré penetrava pelo areal pérfido
Que negara a muitos náufragos a salvação
E cujas dunas ocultavam um tesouro férvido
Onde divas indígenas pontificavam sua predilecção.

As pérolas desta ilhota não valiam milhões,
Mas sim infinitos e inenarráveis corações
Prostrados diante daquelas formas femininas.

A generosidade e a inocência daquelas mulheres
Geravam um preenchido turbilhão de sentimentos
Que vulgarizava largamente o El Dorado dos avarentos.





Poema nº 89 - Elogio da Contradição


Elogio da Contradição
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


A vida é um piano de notas inexploradas
No qual o pianista suprime a monotonia
Revestindo cada música com sua sinfonia
Naquele seu palco de sombras descerradas!

Coerência a mais no poeta é desilusão
É forçá-lo a um só padrão de sentimentos
É abafar a magia da sua contradição
É radicá-lo num enclave de lamentos.

Eu assumo discordar de mim mesmo!
Chamem-me louco! Talvez mereça!
Mas que jamais a minha alma empobreça!

Os dias não fogem à sua própria identidade:
Alguns transmitem-nos um sorriso solarengo
Outros legam-nos nuvens de fragilidade!





domingo, 21 de junho de 2015

Poema nº 88 - Retratos Moldados


Retratos Moldados
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


O "eu" sempre foi um inocente mito:
Um prato já servido pela sociedade
Encoberto por cada ingrediente frito
Que nos seduz para a sua "verdade".

O pensar é refém da opinião pública
Da educação dos neurónios virgens
Logo tomados pelas sociais vertigens 
Numa penosa marcha sem súplica!

Se ainda ao menos fosse inventor,
Diriam que tinha espírito inovador
Mas nunca o teria sem prévio saber.

Mas não sou nenhuma força criadora:
Sou só mais uma árvore da floresta 
Onde mora cada coruja observadora!





terça-feira, 16 de junho de 2015

Poema nº 87 - Ser Português


Ser Português 
(Quintilhas da minha autoria)


A luz do ilustre alvorecer lusitano
Despontava na lança persistente
De Viriato, o guerreiro montano
Que emboscava o destino silente!
Ser português é ser resistente!

Seguiram-se romanos, bárbaros e árabes,
Novos idiomas, costumes e tradições,
Palavras imbuídas de virgens emoções!
Como cintila a poesia de al-Mutâmide!
Ser português é herança de civilizações!

Veio D. Afonso Henriques, o rei cruzado,
Aquele que erigiu o berço em Guimarães 
E tomou Lisboa a partir do Tejo abençoado,
Edificando um país de notáveis "capitães":
Ser português é ter sede de conquista!

Os trovadores adocicaram o reino 
Com versos dedicados às donzelas
Às damas que tomavam por belas
Naqueles pergaminhos de cortesia:
Ser português é elogiar a graça "mulheria"!

Camões endeusou a era das navegações
Territórios e oceanos descortinados
Por naus que derrotaram as tribulações 
Difundindo a nossa cultura com ardor:
Ser português é ser exímio descobridor!

Os projectos de criação do Quinto Império
Norteavam António Vieira e Fernando Pessoa 
Que olhavam para as marés de misticismo
Tripuladas pelas caravelas lusas de heroísmo!
Ser português é ser o mais lúcido dos sonhadores!

Aliado à história, o povo propala o saber-estar
Aquele acolher dos outros com hospitalidade
O socorrer dos demais no mais alto necessitar
Um pouco à imagem de Aristides Sousa Mendes! 
Ser português é possuir o dom da solidariedade!

Dispomos da sã gastronomia que cura amarguras:
O vinho do Porto, o bacalhau, a francesinha...
Desfrutamos da mais bem equipada cozinha
E duma paisagem de inesquecíveis formosuras
Ser português é saborear aquilo que é nosso!

A língua portuguesa flameja os limites universais:
É o legado das aventuras marítimas de outrora 
Reavivado pelos nossos emigrantes em boa hora:
Os descobridores modernos de raízes ancestrais!
Ser português é viver em qualquer parte do globo!







Notas-extra - O termo "mulheria" não existe no dicionário, contudo achamos que, por uma questão de rima, ficava mais adequado do que mulherio.
Poema composto aquando do dia 10 de Junho, dia de Camões e de Portugal.

Poema nº 86 - Ode à Mulher Portuguesa


Ode à Mulher Portuguesa 
(Quadras da autoria de Laurentino Piçarra)


A mulher portuguesa é uma rica flor:
A mais colorida do prado universal
Que liberta o seu persuasivo odor
Nessa ternura que lhe é transversal!

A mulher portuguesa é um lindo rouxinol:
Que cativa pelo seu canto ao amanhecer
E nos enxuga as lágrimas do entristecer, 
Omitindo-se as nuvens para dar lugar ao sol!

A mulher portuguesa é um honrado azulejo:
Valioso porque alberga as tradições lusitanas
Onde se inclui o peixe, o pão, as porcelanas,
Empunhando ela a bandeira lusa num cortejo!

A mulher portuguesa é uma fonte iluminada:
Com torneiras que derramam água cristalina
Numa singela bacia de mármore perfumada
Desfrutada pelo homem que busca sua heroína!

A mulher portuguesa é um sigiloso confessionário:
Onde crentes depositam as suas esperanças 
Outros lhe confidenciam cada receio imaginário,
E ainda há os que revivem as sãs lembranças!

A mulher portuguesa é um gracioso arco-íris:
É adornada pela vivacidade de sete cores
Que propalam os mais venerados sabores
Por terras como Lisboa, Porto, Londres ou Paris!

A mulher portuguesa é, na essência, poesia:
Versos de amor, nostalgia e sofrimento,
Que vertem uma salutar aragem de maresia
Aprimorando o recôndito e majestoso vento.




Quadro da autoria de Emily Wilk

sábado, 6 de junho de 2015

Poema nº 85 - Realidade Irreal


Realidade Irreal
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Real é somente a minha incerteza
Mergulhada nesta precária ilusão
Onde soturnos astros exalam frieza 
Atolados no vazio sem identificação.

Pensar é conspiração do irracional
Ou deste infinito deprimido e cego
Tripulado pelo silêncio gravitacional
Que vulgariza o homem e seu ego.

Deparo-me agora neste triste quarto,
Não sei se a dormir ou acordado:
Sou cometa dum projecto inacabado.

Será a humanidade produto dum livro?
Personagens forjadas por um escritor?
Eu só sei que interpreto o papel de dor!





Poema nº 84 - A Flor Andante


A Flor Andante
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Vertias um afortunado suor orvalhesco
Enquanto caminhavas pelo desfiladeiro;
Eu - teu recatado peregrino derradeiro
Ocultava-me no sigilo do outeiro pitoresco.

Seguia com rigor os teus passos suaves
Escutava as preces que fazias ao céu,
Mas não me abstraía dos reais entraves
Que me afastavam do interior do teu véu!

Uma borboleta pousou-me no ouvido,
Contou-me os segredos que te guarnecem
Reavivados por cores que jamais perecem!

Esfumaste-te por entre as multidões de flores,
Chorei e trouxe lágrimas das nuvens impacientes
Que jamais trariam de volta os teus épicos odores.






quarta-feira, 3 de junho de 2015

Poema nº 83 - A Fonte do Pereiro (Vila de Anta)


A Fonte do Pereiro (Vila de Anta)
(Quadras da autoria de Laurentino Piçarra)


Por entre os simples atalhos do povoado
Despi o horizonte de árvores e arbustos
Até arribar ao riacho pelas pedras tombado
Vizinho dum moinho de contornos vetustos. 

Atravessei com saudosismo a ponte modesta,
O sol asfixiante acentuava o meu cariz sedento
Mas a fonte já me aguardava junto à floresta
Sem nunca adormecer à seca ou ao relento!

Ao chegar lá, logo me abasteci de água pura,
 Li a soberba quadra do poeta Carlos Moraes
Que enobrece aquela harmoniosa moldura:
Fiel ao povo desde os tempos imemoriais!

Uma altiva mulher de olhos verdes e floreais
Irrompeu pelos fetos do extenso matagal,
Trajava vestes ostensivas imunes ao urtigal
E erguia uma imagem de São Martinho!

Vinha abençoar a solitária fonte de Anta
Através da sua voz sobrelotada de doçura
Que até os pássaros mais tímidos encanta
Naquele lugar liberto de qualquer censura!







Nota-extra - São Martinho é o patrono/orago de Anta.

Poema nº 82 - Terapia da Ilusão


Terapia da Ilusão
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)

Padeço da dolorosa avalanche de emoções
Quanto te infiltras na minha esfera visual
Sim, tu - mulher assoladora de corações
Que me fazes escravo do mundo virtual!

A ilusão que gratifica os meus sonhos
Cessa quando triunfa a amarga realidade
Naquele acordar dos relógios enfadonhos
Que, em uníssono, cantam em coro a verdade. 

Desperto, "sonho" já no próximo adormecer:
Só para nos reencontrarmos abraçados
Naquela dança de beijos até ao alvorecer.

Só assim ouso ocultar-me da mágoa diária, 
Porque na rua, segues no sentido oposto,
Finges que não existo, que não tenho rosto!






terça-feira, 2 de junho de 2015

Conto nº 1 - A Vila das Politiquices


Tipologia do Conto - Comédia, Sátira


Numa terriola do interior, portadora de pouco mais do que 400 habitantes e com uma paisagem pautada pelos seus verdejantes montes e límpidas ribeiras que ainda captavam algum turismo rural, eram por demais evidentes a desertificação e o envelhecimento que se tinham acentuado nos últimos anos.
O seu respectivo Presidente de Junta de Freguesia era Casimiro, um homem na casa dos cinquenta anos, com um bigode lamentavelmente comparável a Estaline. Nem a tinta especial e de marca que utilizava para colorir o seu cabelo lograva sumir todas as brancas que lhe ressurgiam sem misericórdia. Todavia, era uma personagem relativamente calma, mesmo quando o procuravam espicaçar de múltiplas formas.
Nas assembleias da sua vila, sucedia-se o lavar de roupa suja, o tom de voz era excessivamente elevado e desagradável, as acusações não poupavam sequer a plateia que assistia às sessões. Os partidos do poder e da oposição degladiavam-se incansavelmente, exibindo os defeitos ou debilidades uns dos outros. 
Num dia, os limites do bom senso foram mesmo completamente violados. Jacinto, elemento do partido da oposição, e uma pessoa que até então se regia pela serenidade, não digeriu bem a tensão e, com o punho bem cerrado, embateu estridentemente em cima da mesa. Rezam os testemunhos que o golpe foi tão intempestivo que três copos de água, presentes na mesa de trabalhos, viraram de uma assentada, e ainda não satisfeito, Jacinto, ao revelar um estado de nervosismo que nunca antes transmitira ao exterior, proferiu as seguintes palavras:

- Cara... ! Estou aqui nesta mer..., a suportar as vossas diárias frustrações, quando devia estar em casa com a minha família, a brincar com os meus filhos!

Evidentemente, a discussão nesse preciso momento atingiu proporções épicas, tanto que as autoridades policiais, provenientes da Sede de Município, localizada a 8 km da vila em questão, tiveram que entrar pelo pequeno e modesto edifício da Junta de Freguesia. Pelos vistos, não realizaram detenções, pois afinal o alerta fora dado por um habitante que residia nas proximidades, e que julgava erroneamente ter ouvido gritos de socorro, pensando que estaria a decorrer uma situação passível de terminar em homicídio, furto ou violação. A polícia conseguiu acalmar os ânimos, e como a viagem pelos outeiros fora algo desgastante e custosa, decidiu punir à mesma os deputados ou vereadores, como os quiserem chamar! Três tiveram que proceder ao pagamento de coimas porque as suas viaturas estavam mal estacionadas. Uma delas estava parada à frente duma garagem alheia, outra ocupava indignamente o lugar reservado às pessoas com limitações físicas, e por fim, a última estava estacionada em contra-mão. Terminava assim aquele dia pouco criativo e muito tumultuoso com o céu a compadecer-se, libertando lágrimas transformadas em chuva torrencial.
Na plateia, os murmurinhos e os risos costumavam ser o prato do dia! Uma vez, um homem curioso e algo intriguista (e já com idade avançada), o Sr. Jaime, engasgou-se, no meio de inúmeras gargalhadas, e tiveram mesmo que chamar a ambulância que veio em seu auxílio, mas que demorara algum tempo pois partira duma outra vila do interior, distada a mais de 30 km. Por sorte, um médico estava a pernoitar na terra, e por isso, chamaram-no logo, e o mesmo conseguiu atenuar a situação até à chegada da viatura dos soldados da paz. Felizmente, o episódio caricato não terminara em tragédia!
Cá fora, as pessoas da vila comentavam as deploráveis ocorrências nos cafés, restaurantes e parque principal. De facto, nem Charlie Chaplin, nem Buster Keaton, nem Mr. Bean conseguiriam igualar o pedestal hilariante destes simplórios autarcas armados em senhores da razão. A localidade tinha os maiores cómicos do mundo, mas ninguém sabia! Nem eles próprios desejavam admitir esse novo talento recôndito!
Casimiro, enquanto Presidente da Junta, mantinha sempre a calma, era quem exibia maior frieza nos momentos mais conturbados das reuniões, evitando, ao contrários dos outros, alimentar as guerras que tanto prejudicavam a imagem da terra no exterior. Contudo, era criticado pela pouca obra efectuada no seu mandato. Apenas mandou erguer no largo principal da vila uma pequena estátua em honra dum conceituado escritor que nascera naquele lugar, iniciativa que orgulhou os demais habitantes que admiravam aquele ícone da palavra. Mas de resto, pouco ou nada se tinha visto nos seus anteriores dois mandatos, o que motivara uma nova reflexão por parte dos 419 moradores da vila. 
As eleições autárquicas estavam a bater à porta. Preparavam-se alguns cartazes e as carrinhas de propaganda começavam a percorrer as ruelas de calçada ou de pavimento térreo, emitindo mensagens favoráveis aos candidatos que se apresentariam às urnas.
Novamente Casimiro, apelidado já de "dinossauro" pelos seus acérrimos detractores da região, apresentava-se a um terceiro mandato, pelo partido que mais vezes aí ganhara as eleições desde o 25 de Abril. Para tentar prevenir qualquer resultado negativo, manda pavimentar, já em campanha pré-eleitoral, duas ruas que tinham algum movimento - a da Junta de Freguesia e aquela onde ele detinha a sua propriedade. 
Por seu turno, surgiria um segundo candidato, de seu nome José, de 57 anos, um advogado de alguma nomeada, que encabeçaria a entidade partidária rival. Como se tratava dum meio pequeno com limitado número de famílias, José era, nada mais nada menos, do que o ex-cunhado de Casimiro, divorciado recentemente de sua anterior mulher Carla (então irmã de José). O problema é que o rompimento do matrimónio não havia sido amigável. Essa senhora nunca aceitara bem o término da relação e claro, seria agora a segunda figura de proa desta nova lista, capaz de revelar todos os podres de seu ex-marido. 
Efectivamente, a difamação pura e simples alcança o auge em Agosto e Setembro. Casimiro era acusado de tudo e mais qualquer coisa. Carla acusava o seu ex-marido de se ter apropriado de dinheiros públicos para adquirir uma quinta, mencionava que ela tinha sido alvo de violência psicológica durante o casamento e chegou até ao ponto de descrever os "torpedos de enxofre" do seu ex-marido que quase rompiam os edredões de penas! 
Por sua vez, Casimiro ignorava, mas o segundo elemento da lista, Rui de 32 anos e um dos mais activos jovens da vila, acusava José de andar metido nos copos e, que por vezes, pegava-se à porrada na taberna tradicional daquele meio. 
"Inacreditável" era o título do jornal da Sede de Município que se referia a esta outra vila para descrever os argumentos utilizados pelos políticos, homens sem escrúpulos e que tudo faziam pelo poder!
Entretanto, seria apresentada uma terceira lista, liderada por Marciozinho, um anão barbudo de 1, 22 metros e que já contava com 44 anos de existência. O seu partido era novo, não possuía os mesmos argumentos nem a influência dos restantes (estes ainda recebiam apoios das sedes das concelhias partidárias). Como se não bastasse, Marciozinho era inexperiente a nível profissional, fora sempre sustentado pelos seus progenitores. Alvo fácil da discriminação devido à sua baixa estatura. Os mais supersticiosos acreditavam que ele era um ser diabolizado. Sim, havia analfabetismo e ignorância nesta terra, até porque nem todos tiveram o privilégio de estudar, conhecendo, desde a cedo, a vida árdua dos campos, onde o solo não lhes dava descanso, além do intenso sol que chegava para os sufocar de calor, especialmente no Verão. Voltando ao nosso anão, nem queiram saber o cabo dos trabalhos que foi para colocar o seu cartaz no centro da localidade! Não se tratou só duma questão de verbas que os seus pais, também inseridos na lista, tiveram de despender, foi também a imagem do cartaz que teve de ser reimpressa, já que da primeira vez, quase nem sequer se conseguia vislumbrar, na fotografia de grupo, o vulto do Marciozinho que era só o cabeça de lista!!! Quiseste criar um partido novo, ora paga lá do bolso estimada família do anãozinho... e não bufa! Mas pese o facto de ninguém dar nada por ele, a verdade é que fora o único que revelara projectos construtivos para a terra. Ele comprometia-se a reabilitar a velha e ainda pequena pousada destinada ao turismo rural e planeava ainda criar um pequeno centro de leitura para que todos pudessem aceder à cultura, ideias que até mereceram algum acolhimento da população.
O Sr. Mendes, considerado benemérito da terra, pela sua boa disposição em servir, na sua taberna, tantas rodadas de copos de vinho aos seus habitantes, concedia a sua opinião a um jornal distrital:

- Vem aí a luta pelos tachos! A vila está parada há mais de 10 anos, a eles jamais lhes pagarei um copo, mesmo quando estiver muito bem disposto! Eles que paguem do bolso deles, porque eles têm, eu não!

Por seu turno, a Sra. Amália, já com mais de 90 primaveras, expressava a sua versão dos acontecimentos:

- Não vou votar porque não há meios de transporte que me levem à mesa de voto, estou debilitada. Mas também digo-vos, desde já, que votaria em branco ou nulo!

Rodolfo, o coveiro da vila, argumentava que reunia também habilitações necessárias para o cargo de Presidente da Junta:

- Se é para enterrar mais a vila, acho que posso desempenhar bem as funções. Ordenava logo a modernização e ampliação do cemitério. Neste momento, temos mais cadáveres sepultados do que habitantes na vila, e mesmo esses, estão parados no tempo!

O dia D chegava, e não, não era o Desembarque norte-americano na Normandia, esse marco histórico não lhes interessava para nada, ao contrário das escolhas decisivas que tinham de tomar para salvaguardar o futuro da terra.
De fatinho e gravata, chegava Casimiro no seu Mercedes. Aí encontrou José, vestido duma forma não tão extravagante. As listas quase que se iam pegar, mas os três polícias destacados para a Mesa de Voto impediram males maiores!
Por fim, lá chegava no seu Papa-Reformas, Marciozinho que, mesmo assim, necessitou duma almofada para alcançar o volante. Fora o que se comportara duma forma mais humilde e exemplar em toda a campanha. Mesmo assim, era discriminado por alguns habitantes que troçavam dele. No momento do voto, necessitou igualmente duma cadeira para poder votar.
Estava a começar a noite mais quente de finais de Setembro, os resultados estavam para ser divulgados. A abstenção tinha sido elevada. 
Marques, responsável pela presidência da mesa de voto, anunciaria os resultados: a Lista A de Casimiro reuniria 56 votos... os mesmos que o Partido B de José. Após serem transmitidos estes dois primeiros resultados, a povoação já temia um empate incrível e desmoralizante, mas ainda faltava saber os resultados da lista C de Marciozinho que... pasmem-se... conseguiria 57 votos!!!!!
Afinal o povo ainda era sábio na sua sentença, e castigara a má fé dos membros das duas principais listas que só procuravam expor publicamente as intriguices do costume! Marciozinho era mais capaz do que os outros dois cabeças de lista! E de facto, nos quatro anos seguintes, cumpriu o programa, promovendo o turismo na sua esbelta terra contemplada por uma planície mais atractiva! Conseguiria mesmo, através da assinatura dum protocolo com entidades públicas de saúde, a criação dum pequeno posto médico. Demonstrara pois que os homens não se medem aos palmos. Ele soube concentrar-se no essencial, naquilo que deveria ser a política, a arte de defender e gerir os interesses do seu povo. Cumpriria com distinção o limite máximo de 3 mandatos, e já com maioria absoluta. Deixou de ser discriminado para ser adorado, e mais tarde, atribuíram inclusive o seu nome a uma das ruas da vila.
Por seu turno, Casimiro e José humilhados, o primeiro por falta de obra, o segundo por denunciar todos os podres do anterior, acabaram por abandonar a política, e dedicaram-se definitivamente às actividades agrícolas. 
O Sr. Marques da taberna afirmava satiricamente o seguinte:

- Tomaram a melhor decisão enquanto políticos! Oxalá que tentem a sorte nas aldeias que rivalizam com a nossa vila.




Desenho humorístico da autoria de Bordalo Pinheiro




Nota-extra - Toda esta narração é naturalmente fictícia (personagens, cenário, localidade...), não há qualquer crítica directa a alguém em concreto (nada disso!). Pretendemos sim com este texto motivar gargalhadas no leitor, mas por outro lado defendemos, tal como dizia e bem, Gil Vicente, o Fundador do Teatro em Portugal que "a rir, corrigem-se os costumes". Há pois alguma sátira neste conto.


Conto de Laurentino Piçarra

Participação no Programa "O Correr das Águas" - (Rádio Clube da Feira)


No dia 31 de Maio (um Domingo), estive presente, entre as 22 e 24 horas, no programa "O Correr das Águas", um projecto radiofónico exemplarmente conduzido por Dinis Silva que é difundido no Rádio Clube da Feira (104.7 FM). Nessa iniciativa que desempenha uma função similar à de guardiã da literatura, mais concretamente, da poesia portuguesa, tive a oportunidade de partilhar impressões com todos os intervenientes, cujo grau de intelectualidade era indubitavelmente elevado, além de ressalvar a sua contribuição enriquecedora para a cultura. 
Neste tertúlia, recitou-se poesia de notável categoria, debateram-se assuntos pertinentes, e imperou igualmente a boa disposição. Ao longo das duas horas de emissão, foram citados nomes sonantes que marcaram a tradição poética em Portugal (Luís Vaz de Camões, Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Sophia de Mello Breyner, Miguel Torga, Sá de Miranda...) e ainda a prosa nacional (Júlio Dinis, Fialho de Almeida, Camilo Castelo Branco...).
Saúdo a presença de todos os intervenientes, nomeadamente a da poetisa Luana Lua (natural de Paredes), e dos poetas Manela Correia e Ricardo Trigo (membros do Movimento Poético de Santa Maria da Feira), e ainda de Eduardo Belinha que fez desfilar o seu talento musical através de composições acompanhadas por uma enorme carga de emotividade.
Os poemas que abordei nesse programa foram os seguintes:

  • A Esmola do Pobre (autoria de Júlio Dinis, 1839-1871)
  • O Mar Mítico da Aguda 
  • A Imortalidade dos Gladiadores da Cultura 
  • O Segredo de Pintor 
  • Fialho, o Prosador da Frontalidade (o estimado locutor Dinis Silva teve a generosidade de o recitar)



Agradeço imenso a oportunidade que me foi concedida pelo Sr. Dinis Silva e pelo Rádio Clube da Feira. Além de ter usufruído da oportunidade de apresentar e divulgar parte do meu trabalho, esta experiência permitiu-me adquirir um notório grau de aprendizagem. 
A belíssima reportagem fotográfica é da autoria de Sãozita Alves.