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Nesta página electrónica, encontrará poemas e textos de prosa (embora estes últimos em minoria) que visarão várias temáticas: o amor, a natureza, personalidades históricas, o estado social e político do país, a nostalgia, a tristeza, a ilusão, o bom humor...

domingo, 20 de dezembro de 2015

Poema nº 155 - O Dilema do teu Moinho



O Dilema do teu Moinho
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Vi-te no moinho da eterna saudade,
Almejei deflorar os teus sentimentos
Mas fui vítima do rio da negatividade
Que me fundeou nos seus lamentos.

Lembro-me da tua cara como do Sol,
Sinto-te desde que possuo coração,
Eras o meu porto, o mais belo farol,
O verbo que me negaria a perdição!

Mas o impiedoso destino separou-nos,
Furtou-nos os nossos ardentes luares,
Os beijos rimados dos nossos olhares!

Agora neste papel de "órfão" resignado:
Resta-me mirar o teu moinho guardião
Véu que oculta o teu tesouro desnudado!




Foto da autoria de Joaquim Rios



Nota-extra Adoptei o termo "órfão" (em vez de solteiro) porque me refiro também ao destino frívolo que me havia sido reservado. Fui órfão dum destino que me fez abandonar o amor...

Poema nº 154 - O Verdadeiro Sentido do Natal


O Verdadeiro Sentido do Natal
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


O Natal é magia que advém do amor,
É vento de paz que entra pelas janelas,
É neve rara que nos aquece o interior
É neblina fugaz que oblivia as querelas. 

É quadra que dispensa trajes de luxúria,
Prendas afilhadas do vil materialismo,
Ou mitos capitalistas como o Pai Natal,
Que nos seduzem para o mero cinismo!

Jesus nasceu no berço da humildade,
Na vontade de ajudar os carenciados,
No almejo de semear a generosidade.

A sua luz é parte intrínseca do altruísmo:
É a Estrela de Belém que a todos guiará,
Musicando na pauta natalícia notas solidárias.




Imagem retirada de: https://flawegmann.wordpress.com/

Poema nº 153 - Buraco Negro


Buraco Negro
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)
  

Ao longe, enxergo o desconhecido,
Esse mistério que a todos atormenta
Com o seu reino de luto adormecido
Que, às almas, o vazio experimenta!

A sua leve indiferença semeia receios
Sintomáticos da nossa vulnerabilidade
Da nossa nascente que jorra devaneios
Crenças controversas na imortalidade!

E esse buraco negro é a contradição
De tudo em que eu sempre acreditei,
É um oceano de poeira em negação!

Nunca desisti de procurar a luz pura,
Mas o profundo silêncio do Cosmos
É expressão do seu criador gótico.





Poema nº 152 - Aguda, meu mar de saudades


Aguda, meu mar de saudades
(Poema da autoria de Laurentino Piçarra)


Aguda,
As minhas lágrimas
São gotas da tua chuva:
São torrentes de nostalgia
Que vagueiam por entre as esquinas
Bastiões do teu perfume de maresia
Que amansam as agruras do espírito!
Na tua praia, repousam os barcos,
Esses fiéis servidores dos pescadores
Que nas mais adversas intempéries
Afrontam a fúria dos deuses helénicos!
Em ti, Aguda, rainha-mãe do heroísmo,
Renasce aquele espírito aventureiro ímpar
A sede de glória de Ulisses em alto mar,
A coragem de Antígona face à tirania,
A energia colossal de Hércules!
Oh! Aguda, eu por ti choro de saudades:
Pelas musas que ocultas nas tuas dunas,
Pelos imponentes castelos de areia que ergueste,
Pelos enigmas que só aos teus olhos são inteligíveis!
Quando estou deprimido, lembro-me das tuas ondas
Dos teus recantos paisagísticos, das tuas gentes,
Desse privilégio abençoado pela tua suprema sabedoria
Que seca as fontes de dor dos meus olhos
Dotando-me de um rejuvenescido sorriso solarengo!






Foto da autoria de Joaquim Oliveira (in Panoramio)

Poema nº 151 - Paixão Natural


Paixão Natural
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)

Mulher, queria passear o nosso amor
Embalado pelo aroma dos eucaliptos
Pela chuva que nos beija com primor,
Pelo universo que nos incute equilíbrio!

As folhas voam intrépidas em Outubro,
Ofuscando os nossos modestos corpos
Que jazem unidos por entre os arbustos
Perfazendo um coro de gemidos rubros!

Rendo-me aos teus caracóis dourados,
Ao aceso reluzir dos teus olhos inocentes
Que moldam os nossos sentires enlaçados!

E ao anoitecer, contemplemos a meia-lua,
Que já alberga nesse seu longínquo berço,
A alma que, da nossa fusão, há-de nascer!




Imagem retirada do Site do Youtube

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Poema nº 150 - A Presunção do Falso Devoto



A Presunção do Falso Devoto
(Poema da autoria de Laurentino Piçarra)


Lá vai o Idalécio à eucaristia:
Com uma fatiota extravagante,
Benzendo-se com água benta
Nesse seu caminhar elegante!
Só pode ser um "bom cristão"!

Diz ele que não tem pecados:
Toma logo a hóstia abençoada,
Ignorando do padre os recados
Para uma existência regrada. 
Só pode ser um "bom cristão"!

O Idalécio é chefe de família
Mas alberga um rol de amantes:
Adúlteras de almejos errantes
Que o tornam mouco na homilia!
Só pode ser um "bom cristão"!

O devoto sovou a sua esposa,
E agora reza uma Avé Maria 
Exibindo um olhar de raposa 
Que veicula uma falsa empatia.
Só pode ser um "bom cristão"!

O Idalécio injuria a comunidade
Com o seu leque de difamações,
E finge na igreja uma caridade 
Resumida a míseros tostões!
Só pode ser um "bom cristão"!

O padre enerva-se na missa 
E denuncia os falsos crentes
Que vivem das aparências
E dos descaramentos latentes!
E, no final, até o Idalécio remata:
"Há tanta hipocrisia neste povo".





Poema nº 149 - Sonho da Depressão Ardente



Sonho da Depressão Ardente
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Os meus olhos são uma fogueira,
Fazem arder chamas de desilusão
Disseminando cinzas de cegueira 
Pelo solo árido e sem compaixão!

Nos meus sonhos, visito o vazio:
Esse nada que é o meu paraíso,
Essas sombras, cúmplices do frio,
Que me servem de mero improviso!

Nesse "refúgio", não reside a dor,
Nem sequer a violência atrofiante:
Essa miragem mundana do desamor.

Mas quando acordo para um dia de luto:
O vento imprime um ritmo incessante,
Deixando a minha mente sem reduto!




domingo, 29 de novembro de 2015

Poema nº 148 - Os Desígnios da Liberdade


Os Desígnios da Liberdade
(Poema Livre da autoria de Laurentino Piçarra)

Atenas,
Berço da democracia,
Em ti, sobressaem as luzes da civilização
A iniludível coragem de afrontar a tirania
Os cintilantes faróis do pensamento moderno
Que dissipam as nuvens da ignorância!
Nessas estreitas ruas helénicas,
Repercutia-se a azáfama dos mercados e templos,
E emergiria o anúncio de um novo advento:
Um "credo" profetizado por Solón e Clístenes,
Dois reformadores que mudaram a História,
Plantando nos verdejantes jardins da sabedoria
As flores coloridas da soberania popular!
Assim nasceria a primeira faceta da Liberdade,
Que percorreria caminhos árduos e sinuosos
Até se enraizar na alma colectiva da Humanidade!
Ainda me lembro quando ela deixou de ser uma flor,
Para se transformar numa criança prodigiosa:
Numa jovem actriz que encantava nos anfiteatros gregos,
Protagonizando diversos dramas e tragédias,
Onde verteria lágrimas de sangue dos seus mártires
Que tombariam ao longo de séculos ou milénios...
Depois a Liberdade cresceu, e atingiu a maturidade,
Assumindo o extenuante ofício de general revolucionária:
Assim, em França, sob a pele de Joana D'Arc
Combateu a opressão dos invasores ingleses,
Em Portugal, inspirou Gomes Freire de Andrade
E até as aspirações destemidas de Humberto Delgado,
Na Pérsia, encarnou na força de um professor presbiteriano
Howard Baskerville, que lutou pelo triunfo da constituição!
Estes filhos da Liberdade morreriam pela sua causa,
Juntamente com muitos outros cidadãos anónimos
Só porque ousaram pensar por eles próprios!
Mas a sua passagem pela Terra não foi em vão,
Os seus sacrifícios percorrem hoje vários memoriais
E as suas recordações ainda alimentam cidades
Como Marselha, Paris, Porto ou Tabriz,
Que abraçaram os ideais históricos de justiça e igualdade
Como se tratassem de mandamentos religiosos!
Quanto aos mártires da ainda adulta Liberdade,
Bem sei que retornaram às origens;
São agora borboletas que procuram o néctar
Nas flores daqueles jardins puros e esplêndidos
Que abrigaram outrora a infância da Liberdade!




Imagem retirada de: http://www.cornerstone-group.com/

Poema nº 147 - "Piranhas" Obcecadas



"Piranhas" Obcecadas
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Estou saturado da "biologia" partidária
Que confunde carneiros com piranhas:
Cardumes que despedaçam entranhas 
Sem obedecer à sua linha doutrinária!

Eles almejam a supremacia do poder, 
Autênticas piranhas ágeis e vorazes 
Que tragam a carne sem retroceder
Nessa saga de promoções audazes!

Não tenciono banhar-me nesse rio,
Nessas águas repletas de hipocrisia
Onde a ambição quente cega o frio!

Denuncio os predadores pela poesia,
Porque não será eterna a sua primazia:
Os "crocodilos" arribarão para a razia!




Imagem retirada de: https://login.aliexpress.com/



Nota-extra - Desconhecemos se os "crocodilos" se alimentam de "piranhas", contudo o leitor decerto que já reparou que ambos os termos são utilizados de forma figurada ou metafórica para expressar a podridão política e a sede de poder.

Poema nº 146 - Flor Recôndita


Flor Recôndita 
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Percorro a brisa dos teus cabelos, 
Liberto a rebeldia desse teu olhar,
Afago as maçãs do teu rosto singelo,
E solto vénias ao teu escultor ímpar!

Deslizo pela ponte do teu pescoço
Peregrino rumo às duas planícies 
Ascendo aos seus topos em alvoroço,
E sacio-me nos rios de leite que jorram!

O meu coração é o vulcão de Vesúvio,
Expele uma lava que flui pelo teu corpo,
Arrebatando esse teu celestial eflúvio.

No final, almejarei na tua densa floresta:
A flor curandeira das mundanas agruras
Que irradia pétalas pelos nossos jardins!





Poema nº 145 - Regresso ao Passado


Regresso ao passado
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)

Barrinha,
Não sei do teu amanhã,
Nem eu do meu.
Deserdaram-nos o sorriso,
Roubaram-nos os sonhos,
Impuseram-nos tempos brumosos,
Linhas de água de reflexo ausente!
Ainda assim, continuas a ser o berço das aves:
Ouço o grasnar tonto das gaivotas,
Contemplo a dança imperial das águias,
E enxergo, ao longe, as garças da realeza!
Bem sei que foste glorificada no passado,
Tiveste porto, ponte, cais e grandes senhores,
Ainda pressinto a azáfama medieval em teu torno,
Eras praticamente um oásis impreterível!
De ti, contam-se as mais infindáveis lendas:
De pescadores valentes que desafiaram o medo,
De agricultores remediados que recolheram ervagens,
De reis e princesas que sigilosamente por lá navegaram,
De jovens que se enlaçavam em noites românticas
De luares de mel que jamais findariam diante do teu encanto!
Oh! Que dor se abateu agora sobre a tua alma, Barrinha,
Furtaram-te o passado, abandonaram-te frivolamente!
As lágrimas que derramas dessas nuvens são mesmo tuas,
Mas não chegam para purificar a ignorância humana.
E eu que me acho junto a este teu irmão-afluente:
Assenhoreio-me de uma rudimentar barqueta,
Planeando remar desalmadamente,
Para que nós os dois possamos retornar
Ao saudoso passado, onde fomos felizes!





Foto da autoria de José Fangueiro



Nota-extra: A Barrinha de Esmoriz contou com uma ponte que foi construída e demolida no século XIX (a sua utilização terá durado poucos anos). A lagoa albergou ainda um porto medieval no século XIII (citado nas inquirições de D. Dinis em 1288), e um cais que, embora mais recente, já não existe, mas que fazia a ligação de barco entre a estação de caminhos de ferro e a praia de Esmoriz, em tempos onde o automóvel não se tinha afirmado ainda nas sociedades contemporâneas

Poema nº 144 - Heranças Amaldiçoadas


Heranças Amaldiçoadas
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Os herdeiros não têm um santo patrono,
Uns são órfãos do triste egoísmo insano
Outros cobiçam o materialismo no sono:
Desertos de alma de tempero diluviano!

Eles obliteram os sadios laços familiares 
Substituem o carinho pela louca ambição.
São trapos móveis que empolgam azares 
Letras mortas que codificam a decepção!

Os advogados adoram jogar neste xadrez, 
Lucrando com os peões desta discórdia:
Elos vulneráveis de reduzida sensatez!

Da vasta herança, só sobrarão migalhas,
Migalhas de património material e humano
Consumidas gradualmente nas fornalhas!





Poema nº 143 - A uma donzela da Idade Média


A uma donzela da Idade Média
(Soneto de cariz "irregular" da autoria de Laurentino Piçarra)


Da outra vida, sinto o sopro da desilusão:
Inês, tu eras filha de um reputado duque,
E eu, um mero campónio, sem salvação,
Que em vão utilizou o amor como truque!

Reuniamo-nos às escondidas nos bosques,
Cantávamos música celta com dóceis toques
Bailávamos até às "entranhas" dos arbustos,
E o sol desmaiava nos nossos luares vetustos!

Os nossos corações palpitavam em sintonia,
Imunes a pestes ou terríficas emboscadas,
Indiferentes a complexos sádicos de baronia.

Mas a harmonia seria um dia comprometida:
O teu pai arranjar-te-ia um casamento nobre
Com um velho conde de mente enraivecida!

E eu, chorei a tua partida para o estrangeiro,
Despedi-me de ti nesse memorável miradouro 
E lavei as lágrimas nesse mar mensageiro!






Poema nº 142 - Arsénio, Grão-Mestre da Seita dos Mal-Dizentes


Arsénio, Grão-Mestre da Seita dos Mal-Dizentes 
(Poema Humorístico/ Tercetos da autoria de Laurentino Piçarra)


O Mal dizer é uma arte por aflorar,
Ensina-nos o grão-mestre Arsénio 
Cuja boca é um punhal de invejar!

A sua seita segue-o até um palacete,
Aí escutam os seus mandamentos
Que ostracizam cada cidadão diabrete!

Nos cafés, Arsénio é o orador central,
Diz mal de um presidente prepotente 
Ou da velha empregada que cheira mal!

A sua fonte cheia de sátira e fatalismo
É o garante de escândalos e audiências
Que saciam a sede do nosso jornalismo!

Nas redes sociais, o Arsénio é temido,
Dispara logo em todas as direcções,
Afirmando-se como o rei das atenções!

A sua seita elenca os erros de outrem,
E a necessidade urgente de moralização
Que dos imbecis não pode ficar refém!

Uma vez o Arsénio transgrediu as regras,
Envolveu-se no pinhal com uma brasileira,
Não controlando a histérica barulheira!

Descoberto pelos seus leais discípulos 
Arsénio, exposto num deplorável nudismo,
Replicou - "Nunca viram, seus cornículos?"




Imagem retirada do Youtube

Poema nº 141 - O Poema de Deus


O Poema de Deus...
(Poema Livre da minha autoria)

Ó meu infinito Universo,
Se soubesses da sorte do vosso eterno vazio,
Não me enviarias meteoritos de indignação,
Mas sim cometas de ternura e compaixão!
Dá-te por feliz pelo teu regime de isenção:
Estás livre daquelas vaidosas criaturas
Às quais chamaram homens por ironia
Naquele ínfimo planeta chamado Terra!
A cada dia, eles destroem as minhas florestas,
Extinguem cruelmente os meus animais
Poluem com prazer o planeta e as almas,
E promovem guerras odiosas e fúteis,
Invocando o meu nome nas suas atrocidades!!!
E dizem eles que compreendem os meus desígnios,
Eles não têm noção do privilégio que lhes outorguei!
Eu poderia tê-los transformados em rochas sem vida!!!
Assim, a minha obra de arte não seria corrompida
Por estes seres que se dizem "inteligentes"!
Mas eu amo a minha criação, mesmo que defeituosa,
E aos Homens eu continuo a pregar
Sem que eles me escutem ainda atentamente
Porque só pensam em dinheiro, poder e armas!
São pobres infelizes que nada sabem sobre mim:
Não é pelo sangue de outros derramado em vão,
Não é pelas hipocrisias dos seus líderes,
Não é pelos dogmas professados,
Não é pela mentira conveniente,
Que merecerão o reconhecimento final dos céus!
A vossa salvação está no vosso coração,
Na pureza dos vossos sentimentos,
No altruísmo sincero e discreto,
Na generosidade dos vossos gestos!
Oh! Como são deslumbrantes as minhas estrelas
Minhas fiéis servidoras, e difusoras da luz contagiante
Que ainda ilumina uma minoria de bons homens
Nesta peregrinação contra a maquiavélica ignorância!






quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Poema nº 140 - Dimensões Abstractas


Dimensões Abstractas 
(Soneto da Autoria de Laurentino Piçarra)


Flutuava no materialismo científico
Presenciei descobertas exuberantes,
Autênticas mais-valias fulgurantes,
Que desnortearam um passado terrífico.

Apesar dos progressos vigorosos,
A minha alma trajava-se vazia
Sem aquela luz que comprazia
As crenças meditadas dos religiosos.

As visões exilaram-me no oculto:
Sombras que se mexiam intensamente
Nas horas vãs do meu raciocínio inculto.

Qual o verdadeiro sentido da existência?
Perecer para eternamente desaparecer?
Não, a consciência espiritual há-de alvorecer.

Poema nº 139 - O Síndrome de Nero


O Síndrome de Nero
(Poema livre de Laurentino Piçarra contra a vaidade da classe política portuguesa)

Ó Nero,
Tu não só incendiaste Roma
Como arruinaste as almas dos políticos,
Tornando-os narcisistas diante dos espelhos,
Vaidosos e convencidos da sua supremacia!

Ó Nero,
Tal como tu, eles sentem-se deuses pagãos,
Adoram ser adulados pelos seus pajens,
Recompensam os seus senadores leais
Com ninfas, tesouros ou poderes ocultos!

Ó Nero,
Esses patifes agora aderiram à modernidade,
Andam atrás da fotografia e do protagonismo
E teclam nas redes sociais da mexeriquice,
Para falsificarem ao povo a sua "magnificência"!

Ó Nero,
Nem sequer tu usufruías de carros topo de gama,
Ou de motoristas gratificados a peso de ouro!
Se calhar, os teus cronistas foram mais severos
Do que os nossos que consentem esta afronta!

Ó Nero,
Ao menos, tu só eras louco, e não hipócrita,
Sei que não toleravas os princípios cristãos,
Mas estes dissimulados de agora também não,
Só vão à missa para aparecer na televisão!

Ó Nero,
Não tenhas remorsos, come umas uvas,
Sorri aos vistosos gatos que te rodeiam,
Pega no teu pequeno espelho de ouro e diz:
- Haverá alguém mais lindo do que eu?





terça-feira, 10 de novembro de 2015

Poema nº 138 - Nélson Mandela, o herói anti-apartheid


Nélson Mandela, o herói anti-apartheid
(Poema da autoria de Laurentino Piçarra)

Na pequena vila de Mvezo,
No seio do clã tribal Madiba,
Nasceria uma alma luminosa,
Um amante da Justiça e da Liberdade,
Um novo gladiador vocacionado contra a opressão:
Rolihlahla, "aquele que cria problemas"!
Protótipo do Espártaco Moderno,
Nélson Mandela esgrimiria argumentos
Nas temíveis arenas dos tribunais,
Enfrentando a tirania do apartheid.
Oh! Muitos recordam os seus feitos
Gravando-os para a posterioridade!
Os Querubins cantam a sua glória,
Os Deuses prostram-se diante dele
As multidões de mortais seguem-no!
Este Hércules da região do Transkei
Com a sua energia e zelo invulgares
Derrubou preconceitos raciais
Uniu sob o mesmo sol brancos e negros,
Implantou a abençoada democracia,
Como um risonho arco-íris
Que junta sob o seu signo diversas cores
E a todos cede regalias iguais!
Devido às suas convicções modernas,
Nélson foi severamente perseguido,
Injuriado por aqueles que o quiseram silenciar!
Personificando a coragem e a perseverança,
Sobreviveu a 27 anos penosos de cativeiro,
Sem nunca abdicar do seu sonho,
Dos seus desígnios liberais,
Da sua integridade moral!
Idealizou um país livre e harmonioso,
Abraçou a igualdade e a fraternidade,
Repudiou a discriminação sobre os negros
E promoveu a concórdia humana:
Ideais pelos quais estava disposto a morrer
Durante os seus inesquecíveis 95 anos de vida.






Poema nº 137- A Rota Perdida


A Rota Perdida 
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Dizem que és o meu mapa perdido
O enigma do obliterado continente
Ocultado pelas brumas do irreflectido
E engolfado num mausoléu ausente!

Esquivo-me do maçante plano material
Para navegar nos canais da virtualidade,
Nessa tua Veneza do mundo espiritual,
Onde nos assiste a terna jovialidade!

Durante essa viagem pelo mundo ignoto,
Seguirei sempre a rota do teu exotismo,
Peregrinando como um temerário devoto!

Seremos o pecado da argúcia cartográfica
Porque logo dirão da nossa vigência fictícia,
Refutando as maravilhas do subconsciente!





Poema nº 136 - O teu chão


O teu chão
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Ansiava ser o teu chão sagrado
Guarnecido pelos beijos coloridos:
Mosaicos únicos do teu vulto rosado
Que reproduzem desígnios floridos!

Queria sentir o teu sol no meu corpo,
O calor extasiante dos airosos montes
Onde cultivas os teus frutos primaveris
Que elidem a aridez dos meus horizontes!

Esta sintonia universal de mútuos afagares
De abraços que jazem para a eternidade
Refundaria o amor em padrões invulgares!

E eu, solo abençoado pela tua presença,
Acalentado pela tua nobreza sensual,
Veria no teu olhar a luz da renascença!




Poema nº 135 - Físalis Terapêutica


Físalis Terapêutica 
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Tarimbado na ciência do amargor,
Vagueava pela virtuosa ruralidade,
Evadindo-me do sepulcral desamor
Que se radicou na soberba cidade.

Atravessei um quintal abandonado,
E aí desvendei um fruto relaxante,
Envolto por uma casca folheada:
Cúpula que sarou meu ar frustrante!

Despi suavemente o manto protector,
Digeri a pequena esfera "alaranjada"
E senti-me liberto do vulgo dissabor!

Aquela físalis purificou-me o sangue,
Perfilou os meus atributos selvagens,
A minha vontade em voltar a sonhar!







Nota-extra: Apesar de ser um pouco ácida/amarga, a verdade é que as físalis fazem parte dos frutos preferidos de Laurentino Piçarra até porque fornecem um sabor bastante original.

Poema nº 134 - Sobre o Receio da Mudança


Sobre o Receio da Mudança
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Escuto o sagaz lufar do vento
Que se abate com certo fulgor
Sobre os arvoredos do temor, 
Anunciando um novo advento.

Em cada rajada, um segredo,
Uma folha caduca que tomba
Um grito invicto contra o medo
Uma esperança que nos sonda!

E a turba assimila a mensagem:
Almeja novos tempos e valores,
O esvaziamento da chantagem!

Mas a árvore da mentira resiste,
Produzindo raízes de total inércia
Que à malévola hipocrisia assiste!





Poema nº 133 - A miraculosa Flor de Lótus


A miraculosa Flor de Lótus
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Nesta era de profunda devassidão,
Almejo descortinar a flor da pureza,
Aquela que ludibria a cruel servidão, 
Emergindo das águas com subtileza!

Os nenúfares dançam à sua volta:
Reivindicam a paixão transcendente
Daquela obra-prima resplandecente,
E unidos asseguram a sua escolta!

Vejo-me a meditar naquele pântano,
A implorar pela harmonia no mundo,
À semelhança dum monge tibetano.

E neste meu procedimento budista,
Escuto a mensagem daquela flor:
Harpa imaculada do céu melodista.





quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Poema nº 132 - Joaquim Promessas


Joaquim Promessas
(Poema humorístico da autoria de Laurentino Piçarra)

Ó povo,
Acordai rapidamente!
Vem aí na sua lambreta,
O Joaquim Promessas,
Presidente da Aldeia,
Vulgo mentiroso compulsivo
Que do demónio recebeu remessas!
Ele atira alegremente "notas" para o ar,
Mas afinal são apenas notas de papel
Onde consta o seu programa eleitoral
A sua lábia execrável e infiel!
Na sua caravana partidária,
Os seus amigos "lambreteiros" vêm todos atrás,
Agitam bandeiras rotas,
Esboçam sorrisos hipócritas,
Entregam canetas com o nome do presidente,
Que, à semelhança deste último,
São do tempo do Jurássico Park,
Gastas e acabadas,
Incapazes de pôr o preto no branco!
Mas as velhinhas da aldeia
Andam todas doidas com o cio,
Abandonaram logo as depressões
Para se renderem ao charme do Joaquim!
Lá vão elas com o seu "bigode" gótico
Dar uma beijoca no seu presidente,
E ele responde sempre - "presente"!
É assim a caça ao voto do Joaquim,
Presidente há 20 anos
Com mandatos multifacetados:
Ora Governa para ele,
Ora Governa para a família dele,
Ora Governa para as velhas amantes!
Oh! Dizem os seus acérrimos defensores
Que para combater a desertificação da aldeia,
Criou um bordel de natalidade,
Diz ele que foi uma iniciativa com originalidade,
Um projecto messiânico para salvar o futuro da aldeia,
Além de alavancar a sensualidade do mulherio!
Os seus apoiantes gabam a aposta na gastronomia local:
Com os seus dotes culinários, o chef Joaquim Promessas
Cozinhou os melhores pratos aos amigalhaços,
Cedeu-lhes os tradicionais tachos da política!
Caramba - Como eles estão gordos!
Até o saudoso Buda seria magro ao lado deles!!!
O Joaquim Promessas também tem um bom coração,
É altruísta como poucos,
Ofereceu trocos a um polícia para não ser multado,
Acabou com a miséria na sua aldeia
Ao convidar os sem-abrigo a rumarem para outras terras,
E empregou gente nova no seu negócio reprodutivo!!!
Outros vêem-no ainda como um homem culto
Por atribuir condecorações da arte "bordelesca"
Às mães dos presidentes das freguesias vizinhas!
Brum... Brrrumm.... Brruuuuuummmmm
Como acelera, o político vaidoso na sua lambreta,
Vai em velocidade proporcional ao aumento da carga tributária,
Acena a todos em cada ruela,
A fanfarra curiosa segue atrás do cortejo!
Entretanto, Joaquim arriba à praça da terra,
E acompanhado do seu apelido - Promessas,
Ascende triunfante a um palco central
Para proferir com ênfase o seu discurso!
Oh! Ele diz que vai acabar com o desemprego,
Apoiar as colectividades que sejam lucrativas,
E construir um hospício para os seus opositores!
Não, não pode ser normal dizer-se mal do Joaquim Promessas!!!
Todas as eleições anteriores confirmaram sempre essa premissa.
E eu, Laurentino, que escrevo este poema, sofro dessa negação,
Dessa patologia demente que me corrói!
Sou louco porque não sou como a maioria popular
Que é fiel ao infiel,
Que presta vassalagem à mentira,
Que se vende por poucas moedas,
Que vota no desconhecido!
E que dizer do futuro?
Eu talvez num hospício isolado do mundo,
E o povo ainda vendado pelos Joaquins, Serafins e afins.
Será justo!






Poema nº 131 - Perdição Nas Areias



Perdição Nas Areias 
(Poema da autoria de Laurentino Piçarra)


Nas dunas do teu peito,
Soprou o areal revolto,
E eu, ciclone imperfeito,
Réu do teu prazer absolto, 
Camuflei teu corpo proibido!

Serpenteei pelos teus trilhos
Como um beduíno insaciável
Que ambiciona ardentes sarilhos
Nesse deserto de noites mágicas 
Onde reluz o teu oásis irrebatível!

Nesta jornada pelo teu louvor,
Degustei o sumo das tuas uvas,
Vinho afrodisíaco e sedutor
Derramado pelas tuas cúpulas
No meu paladar jovial e carente!





Poema nº 130 - A Cabana dos Sonhos


A Cabana dos Sonhos
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Neste refúgio modesto e solitário 
Indago-me sobre o quão bela serias,
Como contracenarias no meu imaginário
Nesse semear de beijos pelas lezírias.

Aquela cabana seria o manto do amor:
Guardiã sagrada de eróticos segredos
Perfume ardente dum furacão de fluídos
Canto inocente de pardais pelos arvoredos!

Aquelas paredes de troncos raquíticos 
Rangeriam nuas e recheadas de êxtase,
Neste cruzamento de olhares eclípticos!

Seríamos passado, presente e futuro,
Divagaríamos pelos nossos pântanos,
Não fossemos nós um sonho prematuro!




Imagem - Gettyimages

Poema nº 129 - Carta da Perpétua Saudade


Carta da Perpétua Saudade
(Quintilhas da autoria de Laurentino Piçarra)


Recebi a tua carta de despedida,
Trazida pelo meu pombo-correio:
Li-a ao vento desta vida fingida 
Lavei-a com as lágrimas dos céus
Entreguei o meu luto ao devaneio.

Aquela carta não lograria reenviar,
A sua verdade era incontornável:
O seu conteúdo inegável de afrontar,
Tornando a minha dor insuportável,
Ao abrigo dum silêncio atroz e rebelde.

O destino não nos permitiu mais letras,
Não tolerou mais partilhas de carinho,
Uniu-nos sim no calvário da separação:
Eu vivo e louco por te voltar a abraçar,
E tu, nessa carta, "morta" por me beijar!




Poema nº 128 - O Santuário Principesco da Barrinha


O Santuário Principesco da Barrinha 
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)

Barrinha,
Princesa que reinas entre as aves,
Podes já não ter o teu porto medieval,
Ou até a tua ponte oitocentista, 
Mas ainda preservas o teu palácio recôndito 
Que permanece sublime e inviolável!
A cada luar, assisto ao abrir das portas,
Vejo-te a sair dos sumptuosos aposentos,
Contemplo a tua nudez perfeita
Os teus olhos recheados de verdura,
O teu caminhar tímido e harmonioso,
A tua alma que irradia flores de pureza
O teu perfume que contagia a fauna!
Vejo-te a percorrer por entre os caniços,
Rasgas com brio a densa vegetação
E assim diriges-te ao teu santuário de culto!
Aí lerás os escritos de inúmeros intelectuais
Que se deixaram inspirar pela tua candura,
Sejam eles botânicos, biólogos, poetas ou historiadores!
Naquele templo, cintila a tua luz primorosa,
Só convidas a entrar os teus estimados animais,
Os únicos que te oferecem lealdade e sinceridade,
Que respeitam a tua intimidade, a tua ternura!
Assim és venerada por águias, garças e gaivotas,
Ou reverenciada por tainhas e enguias!
Contaram-me ainda que a tua aura trespassa o mundo,
Gerando uma infinidade de novas constelações!
Sabendo eu do teu secreto poder divino,
Da mítica magia que logras espargir,
Da fonte que emprestas ao meu enlouquecer,
A ti, amada Barrinha, abro o meu coração,
E sem divergir das minhas crenças mundanas,
Confesso este meu sonho de me prostrar diante do teu altar,
De partilharmos juntos os nossos segredos,
De bebermos da água purificadora do teu cálice de cristal
Para depois da morte, me tornar parte de ti!




Barrinha de Esmoriz
Foto do Movimento Cívico Pró-Barrinha


Nota-extra: Se no anterior poema nº 21 - "O Assombrado Cais da Barrinha" procuramos elencar a passividade e a negligência do ser humano no que diz respeito às promessas vãs de reabilitação ou despoluição deste sistema lagunar (com uma referência final ao "príncipe oculto e maquiavélico", isto é, o vulto da inércia e da escuridão), neste novo poema, optamos por valorizar o lado mais belo da Barrinha, lagoa que é agora personificada com o perfil de uma princesa deslumbrante e encantadora. Não basta apenas denunciar o que está mal nesta lagoa, como também é nosso dever elogiar as suas qualidades. A Barrinha de Esmoriz constitui um motivo de orgulho para as comunidades de Esmoriz e Paramos, devido à sua biodiversidade em termos de avifauna.

Poema nº 127 - Versos reservados ao Mestre da Poesia Oriental


Versos reservados ao Mestre da Poesia Oriental 
(Poema da autoria de Laurentino Piçarra)

Omar Khayyam,
Esqueçamos as eras que nos separam,
Aceita de mim esta taça de vinho:
Brindaremos às rosas do florido prado,
Cortejaremos as tulipas inebriantes,
Observaremos a magia dos astros
E integraremos o amor em equações cúbicas!
Ah! Este vinho é mesmo curandeiro
Remédio amargo que sara as desilusões
E que seduz em arte os modestos corações!
Neste campo, achegam-se as donzelas,
Chovem pétalas dum infindável prazer,
Correm rios de beijos ardentes e ilimitados,
Irrompem sementes neste rebolar íntimo
E gemem timidamente vulneráveis galhos de árvores!
É neste "paraíso" que nos achamos, Mestre Omar:
Ora a filosofar sobre os mistérios da existência,
Ora a desfrutar dos lazeres da vida quotidiana
Porque é a única que tomamos como certa!
Mas não pensemos mais no destino indecifrável,
Glorificaremos sim as mulheres e o vinho
Que preenchem o nosso imutável vazio!






Poema nº 126 - Paixão Além-Mar


Paixão Além-Mar
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Desmintam-me os sóis de lucidez
Ou até as luas do teu sereno olhar 
Se este meu almejo de te adornar
Rima com o teu astro de polidez!

Sonho ser o teu livro mais sagrado:
Gravitarás em torno do meu respirar
Deflorarás cada letra do meu desejar
Moldarás o meu querer desregrado!

Abraçados, estudaremos física quântica 
Recitaremos versos de amor platónico,
Desfilaremos sós pela maresia atlântica!

E aí sim, princesa do meu ar ofegante,
Segredaremos pelas ondas do oceano
Que reflectirão o teu arco-íris radiante!




quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Poema nº 125 - Versos dirigidos a Samarcanda


Versos dirigidos a Samarcanda 
(Lendária cidade milenar)
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Samarcanda,
Vitral colorido da História,
Mosaico de povos e culturas,
Refúgio de mercadores e viajantes,
Miscelânea de afamados pensadores
Tesouro camuflado por divagares subterrâneos!
Por entre o despertar desse teu luminoso olhar,
Logro avistar em ti maravilhas inenarráveis:
Árvores abençoadas pelo céu sorridente,
Riachos cristalinos que embalam no solo ardente,
Mesquitas faustosas em honra do Profeta,
Cúpulas que ascendem às nuvens,
Filosofias que revigoram as flores
Cavalos que confraternizam horizontes,
Segredos equiparados a lânguidos desejos,
Lágrimas que suplicam pelo glorioso passado,
Beijos versificados na insaciável poesia,
Vinhos que escorrem pelas ruas da sabedoria!
Ó Samarcanda, em ti reluz Omar Khayyam de Nishapur:
Mestre dos poetas orientais,
Senhor da álgebra e da astronomia
Esconderá a Lua o seu perdido manuscrito?
Em ti, minha doce e requintada Samarcanda
Também observo outras imagens
A espada triunfante de Alexandre Magno,
O frenesim da almejada Rota da Seda,
A difusão do papel inventado pelos chineses,
Os edifícios altivos erigidos por Tamerlão,
O observatório prodigioso de Ulugh Beg
E acima de tudo, essa tua nostalgia milenar
Que te converte numa equação singular
Onde anexas a poesia, a matemática e a astronomia,
Os três elementos fundadores da tua identidade!
Consciente da tua suprema dimensão universal,
Ao teu coração, Samarcanda, apenas te interrogo:
Que segredos confiaste somente às estrelas?
Que lendas propalavas tu aos deuses?
Que tecidos trajaste em séculos passados?
Que multidões acolheste nos teus mercados?
Que fidalguia cultivavas nos teus jardins?
Que versos de amor dedicaste à humanidade?
E eu, Samarcanda, que nunca te conheci,
Sei que a tua essência é inalcançável
Sei que ainda difundes o teu perfume irresistível,
Sei que és afinal imperatriz convertida em turquesa!




Foto - Islam Pictures



Nota-extra: Samarcanda é Património Mundial da UNESCO devido ao cruzamento de culturas no passado. É a segunda maior cidade do Uzbequistão, embora no passado já tenha sido dominada por sogdianos, persas, chineses, turcos, mongóis, russos... É conhecida ainda pela sua efervescência cultural - a cidade integrava a rota da Seda que fazia a ligação entre a China e a Europa, possuía nos seus mercados belos tecidos e cavalos, e passou também a ser um importante produtor de papel através da captura de prisioneiros chineses que foram colocados a laborar na região. Em Samarcanda, paravam viajantes e mercadores de diversas culturas...
A realização deste poema inspirou-se igualmente nas descrições presentes na obra "Samarcanda" de Amin Maalouf bem como em outras pesquisas efectuadas a nível electrónico.

Poema nº 124 - Arena do Martírio


Arena do Martírio
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Nesta arena de lobos esfomeados,
Vejo-me encurralado pelo anseio,
Vencido pelos sonhos açoitados:
Não há sol no meu nublado receio!

O desespero cobre o solo indigente 
Os portões omitem negras surpresas:
Falsos cordeiros de olhar negligente
Alcateia de almas, sóbrias impurezas!

A plebe converte-se ao entusiasmo
Nas bancadas, saúda a cena trivial
Visa os desgraçados com sarcasmo!

Os portões abrem-se, saem as feras
Que dilaceram a minha ingénua carne:
Indigno pó deste "santuário" grotesco.




Magnífica Foto da autoria de Trey Ratcliff in Flickr


Nota-extra: O soneto contém uma profunda componente metafórica.

Poema nº 123 - Reticências...



Reticências...
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Tudo na vida são meras reticências:
A bastardia da fugacidade terrena,
O silêncio das soturnas coincidências,
O jazigo perpétuo que me serena.

Caem as folhas do viajante Outono,
Voam as vírgulas do meu irrealizável ser 
Despem-se as interrogações do meu viver,
E repouso nas reticências do denso sono!

Que interessam os adjectivos altivos?
Ou a melancolia fingida das metáforas?
Somos somente eufemismos nativos!

E nesta mudez solitária das reticências,
Vivo no passado que o futuro irá esquecer:
Sou carne em dia, serei pó ao anoitecer!





Poema nº 122 - Olhares de Infidelidade



Olhares de Infidelidade
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Mulher, pequei por tua culpa,
Pela ilusão que me vendeste
Pelo sorriso que transpareceste,
Minha prenda envenenada oculta!

Esses teus olhos azuis de perdição,
Essas tuas ondas do mar destrutivas
Fizeram-me naufragar na decepção,
Porque o teu sal frustrou expectativas.

Sim, tu rapariga que me persegues:
Maremoto cruel que a mim te atreves,
Sereia infiel a amores e namorados!

Após partilharmos marés vivas de olhares,
Soube da tua pungente traição em casar:
Desse futuro sombrio que te irá encarcerar!




Imagem retirada algures da Internet (Google Imagens)

Poema nº 121 - Versos do meu Ser Acabrunhado


Versos do meu Ser Acabrunhado
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Padeço duma terrível frustração 
Que vagueia pelos dias enevoados,
Como um tornado regedor da desilusão
Que arrasa corações angustiados!

Em mim, as nuvens vertem lágrimas, 
Gerando torrentes depressivas
Que baptizam as palavras ínfimas
Das minhas alvoradas regressivas!

Sinto que a luz me exilou na escuridão,
No antro das entidades negativistas 
Que fomentam o tormento e a crispação.

Assisto à nugacidade da minha existência,
Ao triunfo poético da densa melancolia 
Que em mim se exalta com reincidência!



sábado, 5 de setembro de 2015

Poema nº 120 - O Manuscrito Ancestral do Palheiro Vermelho


O Manuscrito Ancestral do Palheiro Vermelho
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Naquele final de tarde,
Percorri os trilhos junto à Praia,
Contemplei aí o saudoso arrebol
Que pintava o céu duma cor alaranjada.
Subi ao paredão para almejar o horizonte,
Esse horizonte marítimo de alegrias e tragédias,
Que "matou" a fome humana com toneladas de peixe,
Mas que também testemunhou terríveis naufrágios,
Ou até depredações de vikings e berberes!
Entretanto na sequência deste meu solto divagar,
Desviei o olhar para a minha silenciosa retaguarda,
Havia algo que logo me captara a atenção:
Um palheiro secular de madeira,
Distribuidor de cores e encantos,
E cuja sorte merecia a minha natural inveja!
Todos os dias ele escutava o bater das ondas do mar,
Todos os dias ele sentia o imenso cheiro a maresia,
Todos os dias ele assistia ao frenesim da arte xávega,
Todos os dias ele tinha uma nova história para contar!
Os anos podiam passar impiedosamente,
Mas ele teimava em não envelhecer!
É património, é postal enraizado dum povo:
Morada de gerações de pescadores anónimos,
Gente humilde que arriscou as suas vidas
Para superar as adversidades do tempo!
Deprimido e exausto está o seu chão térreo:
Eficaz sorvedouro de mares de lágrimas
Vertidas por familiares em luto
Que choravam por cada barco que não retornava!
Sem licença ou resquícios de compaixão,
A desgraça batia assim muitas vezes à porta:
Quantos lobos do mar não sucumbiram às ondas letais?
Quantas almas não ficaram arrasadas para sempre?
Quantas cicatrizes não se instalaram nos corações?
Quantos medos não se recriaram a cada embarque?
Quantas crianças não ficaram órfãs do destino?
Que drama - este partir brusco e cruel
Sem um beijo, um abraço ou um adeus,
Sem uma sentida despedida!
Mas não choremos mais estes martírios:
Pois os espíritos daqueles que naufragaram
Não jazem no pequeno cemitério da cidade
Nem sequer debaixo do solo da antiga capela
Engolida pelo mar e substituída por outra,
Eles revivem sim nas nossas memórias:
São o exemplo honrado do passado,
A identidade que nos conduz no presente
E a prodigiosa inspiração do futuro!!!
Mas além da sua acentuada cor vermelha,
E da vegetação dunar que o enfeitava em redor,
Aquele palheiro escondia algo,
Um segredo nunca antes revelado:
Uma caixinha de madeira soterrada
Que dizem há séculos ter dado à costa,
Ignorando-se a sua origem!
Um pescador analfabeto que a encontrou,
Decidiu guardá-la ali, naquele edifício simbólico!
A caixa achava-se bem cerrada
Como se tratasse dum tesouro do além-mar!
Mas um dia aquele homem logrou por fim abri-la,
Detectando no seu interior um manuscrito,
Bem enrolado e de inegável antiguidade,
Afastou com ligeireza os seus bordos,
E ali jurou ter vislumbrado três palavras,
Como não sabia ler,
Correu excitado em direcção à Igreja Matriz,
Para consultar o Pároco local,
E este, diante desta comunidade de Santa Maria,
Depois de benzer o manuscrito,
Proferiu bem alto
Para que todos ouvissem
As três palavras latinas
Que rematavam a essência mágica de Esmoriz:
"VIRTUS IN LABORE"




Foto da minha autoria




Foto da minha autoria




Postal da autoria de José Bastos



Nota-extra - Poema dedicado ao povo de Esmoriz e que se cinge sobre o simbolismo dos seus palheiros à beira-mar. No que diz respeito à expressão latina "Virtus in Labore", esta encontra-se presente no brasão da cidade, e atesta o carácter trabalhador da sua comunidade.