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Nesta página electrónica, encontrará poemas e textos de prosa (embora estes últimos em minoria) que visarão várias temáticas: o amor, a natureza, personalidades históricas, o estado social e político do país, a nostalgia, a tristeza, a ilusão, o bom humor...

sábado, 23 de novembro de 2019

Poema nº 377 - A Tribulação do Almeida


A Tribulação do Almeida
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Chega o Almeida ao café
Requisita o jornal
E lê as letras gordas da capa
Praguejando de imediato:
"Ai que a minha carteira se vai esvaziar:
Vão aumentar a luz e a água
O pão e até o meu caviar,
Não sei onde este país vai parar"!

Ao local, arriba uma figura típica
Pede uma esmola
Diz que a vida está cara
E que quer umas sandes!
O Almeida dá-lhe dois euros
Mas reitera que não pode ser sempre
No entanto, ainda lhe sobram dois euros
Tem que ser um gestor inteligente!

Almeida ingere o café
Quase que engole o bigode
Expressão facial de amargura
Culpa das máquinas antigas
Que sentenciam azedumes terríveis
Mas as empregadas são simpáticas
E com o seu sorriso rasgado
Disfarçam o deplorável serviço!

Entra um cobrador associativo
Recolhe para as Festas de Santo Onofre
Em Portugal, o Santo já não dá fortunas
Agora precisa delas para não falir
Já que investiu as poupanças num banco
E depois, tudo se prontificou a sumir!
Lá foi mais um euro doado pelo Almeida
Já não poderá digerir a sua nata!

Entretanto, abeira-se dele o Josefino
Alega que sabe fazer uns truques
Recorre a cartas, moedas e lenços
O Almeida rende-se ao mágico da vila
Ri-se e deixa-se levar pela fantasia
Tenta imitar a façanha
Equivoca-se: mete o derradeiro euro
No bolso então recheado do ilusionista!

O pobre Almeida dirige-se ao balcão
Sem um tostão nos bolsos
Teve que pagar o café com trabalho
Ora lavando a louça
Ora servindo refeições
Laborou por duas horas
Sem direito a resmungar
Se fosse político, tudo lhe era perdoado!





Quadro da autoria de António Soares, pintor lisboeta (1894-1978). 
 Veja-se o site do Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado 

Poema nº 376 - Amocracia


Amocracia
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


No amor, não há domadores
No sexo, talvez,
Mas no amor, não pode haver:
Porque nas sarapintadas planícies
Que percorrem as suas aldeias
Há lugar para a variedade
Das cores das flores
Dos sons emitidos pelos ventos
Das árvores que bambaleiam entre si!
Não há qualquer relance de colonização
Ou de presunção em forma de betão
Males que confundem a construção
Com a corrosão dos padrões!
Nesses vales de felicidade
Não há prisões
Nem juízes
Nem falsas hierarquias.
As imperfeições abraçam-se
Solidárias e tolerantes,
Projectando um arco-íris de emoções
Digno da contemplação mútua!
Podem vir falsos profetas da paixão
Que não passam de faraós excêntricos
À frente de bigas de combate
Disparando flechas de submissão
Mas a Amocracia nunca desaparecerá:
Não perecerá diante da chantagem
E renascerá todos os dias
A cada minuto!
E quem doma quem?
Ninguém.




Imagem retirada algures do Google

Poema nº 375 - À Mulher do Meu Futuro


À Mulher do Meu Futuro
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Sonho com o dealbar da madrugada
Deitado a teu lado
Ora despenteando os teus cabelos
Que afloram o meu rosto
Ora soprando fórmulas afrodisíacas
Aos teus ouvidos que são búzios
Que fazem ecoar os meus desejos!
Indago-me sobre essa madrugada:
Quando ela chegará?
Talvez não saiba,
Por certo, não te vi ainda
Mas sei que existes
É só uma questão dos astros se alinharem
E nos cruzarmos
Numa tarde de chuva
Ou numa manhã de sol,
Num café ou no cinema,
Para que os candeeiros comecem a faiscar
As camas a fermentar de regozijo,
Os lençóis a recriar a atmosfera
Protectora de uma união ardente
Sob o fogo da paixão!
A música do destino
Será composta por nós
E até os querubins cantarão
Pelas duas abençoadas almas
Que desencontradas
Se acharam num beco do labirinto
Para emergir das banais vivências
E construir a sua própria galáxia
As suas luas de mel
E os planetas esculpidos por mimos
Jamais sucumbidos!




 Imagem meramente exemplificativa retirada de: https://www.pinterest.pt/pin/703124560551020543/?lp=true

Poema nº 374 - Uma Missiva


Uma Missiva 
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)

Escrevo-te uma missiva
Não digo que a minha letra
Seja tão bela como a tua alma
Mas é espontânea e sincera
Tal como gostarias.
Sinto saudades de ti
Embora não possas escutar
Os meus cenobíticos anseios
A morte é mesmo assim
Ninguém escapa à sua saga
Não há indultos
Nem para os corações de ouro
Que salvam o nosso planeta
Com as suas missões diárias.
Mas a morte não subverte a gratidão
Não esqueço os mimos
O afecto que me concedeste
O teu lado bondoso,
Hoje sou parte de ti,
Mesmo que não o sintas,
Vives em mim,
Ainda me aconselhas
Diante dos perigos da vida,
Despeço-me com um grande beijo
Minha avó,
E que esta carta chegue ao céu
Depois aparece nos meus sonhos
Pelo menos,
Para dizer que a leste.





Poema escrito no Dia 1 de Novembro ("Dia de Todos os Santos") em memória da minha avó materna

Poema nº 373 - O Coração de D. Pedro IV


O Coração de D. Pedro IV
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


O teu coração é de ouro
Porque cerceou injustiças
Saciou os desfavorecidos
Clamou pela liberdade,
E com o Grito do Ipiranga
Acalentou o sonho de um povo!

O teu coração é de ferro:
No Porto, resististe ao cerco
Combatendo como um soldado raso!
Pela causa da tua filha:
Viste camaradas a tombar a teu lado
Verteste lágrimas de incompreensão.

O teu coração é diferente
Não prioriza nações
Mas orbita entre os ideais nobres!
Mais do que te tornares rei ou imperador
Quiseste sempre ser o herói
Em todos os capítulos da tua vida.

O teu coração é uma relíquia das luzes:
Bateste-te contra as tiranias
Sempre partindo em desvantagem
Contra adversários poderosos!
A paixão e a coragem te alimentavam
A cada dia, a cada vitória!

O teu coração é de madeira
Porque projectou um novo advento
Mediante modestos alicerces,
Poderias ter-te antecipado em vão
Mas afrontaste as sombras
Desembainhando a tua heróica espada!

Fecharam-no a cinco chaves
Esse teu coração de grandeza invulgar,
Ele colapsou quando ainda eras jovem
Mas trabalhou a esboçar a eternidade,
Quantos corações não se salvaram
Na hora em que abriste o portal da liberdade?





Imagem nº 1 - O coração de D. Pedro IV, rei de Portugal e imperador do Brasil, encontra-se guardado num vaso de prata dourada na Igreja da Lapa (Porto).



Nota Adicional: D. Pedro IV foi responsável pelo Grito do Ipiranga (1822) que levou à Independência do Brasil e ao ensejo deste povo multicultural em seguir o seu próprio trilho. Acabará depois por abdicar do título de imperador. Terminará, nos últimos anos da sua vida, a lutar pelo liberalismo e pela causa da sua filha, a rainha D. Maria II de Portugal, contra os absolutistas de D. Miguel que já controlavam o país. Em 1832, sai dos Açores, arquipélago onde se haviam refugiado vários liberais, e desembarca na Praia de Matosinhos. Em breve, chega triunfantemente ao Porto, mas é logo ali cercado pelas forças absolutistas. Após um ano de cerco, os liberais vencem, depois de imensos sacrifícios, e conseguem recuperar muitos mais territórios, forçando D. Miguel ao exílio na Itália. D. Pedro morreria muito pouco tempo depois.

Poema nº 372 - O Silêncio das Minorias


O Silêncio das Minorias
(Quadras da autoria de Laurentino Piçarra)


Disseram-nos que é hoje legal
Construir palácios em desertos
Vivemos numa sociedade desigual
Onde privilegiamos ricos e espertos.

Estereotipam-se raças e etnias
Como se houvesse um ADN mau
Um vírus que embute sintonias
Nas ideologias dos caras de pau!

Marginalizaram-lhes as palavras
O futuro ainda estará por nascer
Mas são já caravaneiros perdidos
Numa rota que não os deixa vencer.

Ninguém os quer, todos os abominam!
Só as elites se consideram incorruptíveis
Talvez não sintam os odores que as putrificam
Almofadadas por modelos sociais falíveis!

Há tanta gente nobilitada pela calada
Enquanto outros desesperam por alimento;
Iludem-nos com uma miséria disfarçada
Uma ligadura tosca para encobrir o ferimento!




Foto da autoria de Fabrício Mota in site Agência Pública
(Poema contra a discriminação étnica e racial e o radicalismo político/elitista)

Poema nº 371 - O Franzino Magnífico


O Franzino Magnífico 
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Lá vai o franzino
Esgueira-se pelas portas
Finta a polícia
Ludibria os mauzões
Todos o perseguem
Mas ninguém o alcança,
Ele corre trajado de negro
Munido da sua bengala
E do seu chapéu de coco.
Dá-se pelo nome de Charlie,
O génio improvisa,
Constrói e desconstrói,
Emerge da confusão da vida,
Fazendo os outros sorrir
Com a sua simplicidade,
A ousadia das suas intenções!
Ele mal fala,
Mas cuida do seu bigode,
É o sábio do humor
Que reina sem palavras.
Luta, dança e corre
É a realização humana
Que dispensa bússolas
Ou planos!
Tudo é frenético e intenso
O momento faz a existência
E se assim não fosse,
Charlie nasceria na hora errada,
Num mundo eternamente adiado,
Mas graças à sua volúpia incessante
Até o Universo
Ele conseguiu pagodear.





Imagem antiga de Charlie Chaplin extraída após uma pesquisa no Google

Poema nº 370 - Sarcófago de Memórias


Sarcófago de Memórias
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Vistoriei as palavras do passado
Aprovisionadas num sarcófago imóvel
Que perpetua o meu ego retalhado
Subterfúgio soturno do turbilhão ignóbil.

Não fustigo os deuses da arte faustosa
Que me induzem em mil labirintos
Como se fosse uma alma engenhosa
Capaz de mergulhar em sonhos tintos!

Sou atraído pelo delírio ideológico plural
Arquivo o que penso e o que não penso
Carrego na mente um fardo memorial.

Se pudesse simplificar a existência
Talvez morreria pouco tempo depois
Porque não se vive sem penitência!




Fotografia retirada de Sapo Imagens

Poema nº 369 - Sobre o Inconformismo Sindical


Sobre o Inconformismo Sindical
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)

Admiro um sindicalista sensato
Que trate todos por igual
Públicos e privados,
Sem mendigar mediatismo
Com propostas ilusórias.
Agora os outros que querem antena
Mais parecem besouros insaciáveis
O seu zumbido inquieta-me!
Quando se tornarem alquimistas
E transformarem ferro em ouro
Numa demanda pela pedra filosofal
Eu serei o maior sindicalista
Que o país já viu,
Mas até lá
Não se iludam:
Não há petróleo em Portugal,
Não há robots para nosso repouso,
Não há dez Bill Gates na tecnologia,
Por isso,
Desçam do País da Alice das Maravilhas
Conheçam o que vos rodeia
E questionem-se:
De que adiantam aumentos salariais
E outras volumosas reivindicações
Se não há camas nos hospitais?
Ou comida suficiente nas escolas?
Querem fazer o telhado sem os pilares?
Que arquitectura social apregoam então?
Tende por certo que as pequenas vitórias
Por vezes, são as melhores,
Sem elas,
A matemática não vos mostrará clemência
Nem o povo
Beberá da poção da paciência!





Imagem retirada algures do Google


Nota-Extra: Este poema não pretende colocar em causa a existência e o legado do sindicalismo em Portugal e o seu papel histórico na melhoria das condições laborais, contudo muitas das exigências recentes têm-se pautado por excessos incompreensíveis que parecem estar desenquadrados da realidade. Estes versos alertam para a necessidade de uma maior moderação das reivindicações e numa estratégia de defesa igualitária dos trabalhadores públicos e privados.

Poema nº 368 - Nevoeiros de Alma


Nevoeiros de Alma
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Descanso mas não me omito
Nestes devaneios periclitantes
Em que da nostalgia sou súbdito:
Brumas de alma desconcertantes!

Não sei qual é a filosofia mestra
Que nos prende à realidade terrena,
Sinto na chuva a indelével orquestra
Devoluta da almejada paz serena.

E todos os ideais ali se encriptam,
Mesmo que não os assimilemos
Porque algumas gotas nos atrofiam.

O dia solitário cede à melancolia
Mas até esta nos elucida no percurso
Como uma suave e tenra homilia.




Imagem retirada algures do Google

sábado, 19 de outubro de 2019

Poema nº 367 - Arquitectura dos Beijos


Arquitectura dos Beijos
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


O mundo do beijo é arcano:
Línguas que dançam o tango
Lábios sedentos do profano
Afagos faciais em losango!

E na arquitectura do amor
Construímos de olhos cerrados
Lares que transcendem o pudor
Com jardins de sonhos lavrados!

Blinda-se o terramoto de emoções
Ou o maremoto do denso salivar,
Subterfúgios avessos a privações .

E quando a inquietude desaparece
Erguem-se pontes para as almas
O beijo epigrafa o que não perece!




Poema nº 366 - Luto Amoroso


Luto Amoroso
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Não vejo agora em ti a alegria
Que outrora julgava ter achado
Num exercício de arqueologia sentimental!
Hoje divagas apenas pelos campos silvados
És refém de uma espiral turbulenta
Não me arrastes para o teu labirinto
Tudo se frustrou:
Projectos, sonhos, beijos,
Porque idolatras o impossível
Nem te dás conta da sombra
Que te cobre subtilmente.
Não penses que me declaro inocente,
Também te falhei,
Abriguei-me noutra floresta
Em vez de ser o teu incansável guardião,
Confesso-te:
Não sou o teu super-homem
Que procuras de forma insaciável,
Não sou tampouco um feiticeiro
Portador da receita miraculosa
Que te trará luz aos teus horizontes,
Talvez te reserves no direito de me censurares,
De me considerares uma fraude,
O fim do amor é tumultuoso
O luto pode ser violento,
Os teus sismos emocionais compreendem-se
Porém não te resolverão!
E em ti, sei que ainda há esperança,
Não por mim, que desapareci,
Mas pelas pegadas vindouras,
Reconheço-te sabedoria interior
E a beleza fisionómica de uma fada,
Não desistas de te procurar
E de te libertar dos densos arbustos
Que te agrilhoam dolorosamente,
O teu livro ainda não se fechou,
Ainda podes escrever muitos capítulos,
Não comigo,
Mas numa planície apaixonante
Junto do homem que te foi destinado!





Imagem meramente exemplificativa da autoria de Amanda Cass

sábado, 21 de setembro de 2019

Poema nº 365 - O teu Chá


O teu chá
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)

O teu chá
Leva-me até ao Oriente
Aos sonhos de porcelana
Aonde me transfiguro
Pairando sob o inédito,
Os meus olhos estão cerrados,
Mas vejo o que ninguém vê,
Sou o espelho de mim mesmo
Carrego a energia de um elefante
As garras de uma águia
O revestimento colorido das carpas koi,
Sou o que nunca fui,
Viajante da transcendência,
Todo o meu ego suprime-se
Em avalanches de ambições extintas,
Tornei-me num incógnito corpo astral
Acoplado pela órbita universal.
Já não me sei definir
Não há um padrão,
Regresso aos sonhos terrenos
Sou um samurai do Japão ancestral
Sou um mercador pobre de Bengala
Sou um monge abnegado do Tibete,
Sou tudo e sinto essa pluralidade na pele
E os minutos passam
Até que abro os olhos:
A xícara de Masala chai
Que me serviste
Viu o seu efeito chegar ao fim,
Esqueceste-te do açúcar!




Imagem meramente exemplificativa retirada da Página: https://chasorganics.com/
("Cha Organics")


Nota-Adicional: O poema procura fazer alusão directa ou indirecta a diversos territórios orientais (nomeadamente a Índia, China, Japão...) e a animais característicos (o elefante indiano, a águia cazaque e as carpas koi - carpas coloridas japonesas). Outra surpresa é a referência ao masala chai - chá de especiarias que conjuga inúmeros aromas - que é produzido no subcontinente indiano.

Poema nº 364 - A Saia da Lua


A Saia da Lua
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


A saia gira indiscreta tecida de névoa
Fintando Ah Puch, deus maia da morte.
Que definiu destinos com uma régua
Mas que da Lua não celebrou consorte!

O modelo gótico da dama do Universo
Faz perfilar a sua diluvial presença
Imaculada diante do sonho perverso
Dançarina e juíza da nocturna sentença!

A saia é transparente, o rosto é branco
Mas o vestido que a camufla é negro
Ela assim se traja na alegria e no pranto.

A Lua já teve valentes apaixonados
A sua saia eleva a libido dos mortais
Converge e une amores destinados.




Imagem meramente exemplificativa retirada de: https://wallhere.com/

Poema nº 363 - O Luto da Amazónia


O Luto da Amazónia
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Arderam hectares incontáveis
Mentiram ao mundo
Aligeirando o caos
Zebras políticas fúteis!
Ó humanidade acordai
Neste dia que ainda é vosso
Imaculada luz que resiste
Até que um dia, tudo seja pernicioso!

Amar a floresta, é amar as origens,
Melindrar os arautos da tecnologia
Aclamar os índios na sua pureza
Zombar das elites modernas hipócritas!
Oremos agora pela catedral do oxigénio,
Ninguém pode proibir o nosso culto,
Intentaremos amaldiçoar os poluidores
Animais do lucro a todo o custo.

E eu, do meu país, grito:
Salvai a Amazónia,
Mas primeiro, sejamos sérios
Cuidemos do nosso jardim
Que também tem sido agredido
Como se fosse um estorvo,
Sei o que vejo
E o que é silenciado,
Os interesses sujos coexistem,
E a natureza como não tem voz,
Sofre de uma doença incurável:
A peste da ignorância humana!





Imagem meramente exemplificativa retirada de: https://www.latam.com/.../uma-viagem-a-Amazonia-brasileira

Poema nº 362 - O Politiquês


O Politiquês
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Ó povo já conheceis a nova arte?
Uma nova língua intrujona?
Liguem a televisão!
Ouçam, deixem-se levar:
Os linguistas do politiquês
São boa gente!
Prometem mais que o Pai Natal
Eles não vendem ideias,
Apenas as doam
São esmolas intelectuais!
Que solidários!
Até já têm universidades
E cátedras de excelência
Para leccionar a nova língua
Quer esta se amarfanhe
Para a direita
Ou para a esquerda.
Mas este idioma retalhado
Requer representação, teatro!
Eles têm de ser durões para os rivais,
Autênticos furacões de ideias
Que façam dos outros os idiotas!
Quando interpretam o papel de vítimas
Choram como as carpideiras orientais,
O povo ainda lhes dá afectos
Porque adora novelas,
Mas os figurantes nada recebem
Apenas pagam as asneiras
Da encenação do politiquês
Também em desacordo ortográfico!




Direitos da Imagem: KEMP

Poema nº 361 - Sonhos Taumatúrgicos


Sonhos Taumatúrgicos
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


O sonho é a expressão do milagre aleatório
É um mundo que faz renascer quem já partiu
Que finta os ditames lúgubres de cada velório
Camarinha que cura a morte, o tempo que ruiu!

Divaguei, atraído pelos seus insondáveis mistérios
Não sei se vi Deus, talvez seja Ele a soma de tudo,
Mas aqui não há lugar para os triviais magistérios
O saber sonhado não se decifra, é ilógico no conteúdo!

O nada deixa de ser um cativeiro do silêncio
Os entes queridos viajam pelo nevoeiro cerrado
Até à luz ao fundo do túnel, lar da nossa mente!

Eles mergulham na casualidade do subconsciente
Para desempenhar o papel principal da vida oculta,
Num enredo sem leis ou limites, e da dor ausente!





Imagem meramente exemplificativa retirada algures do Google

Poema nº 360 - O Padre-Pescador


O Padre-Pescador
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Ouvi peixes,
O sermão que levantará o Maranhão
Em dia de Santo António!

Como se atreve aquele jesuíta barbudo?!
Acabar com a escravatura indígena?!
Ele inquieta-se, ele salta, ele galvaniza
Dança com as metáforas estrelares
O seu Firmamento é uma valsa perfeita
Todos que o admiram são pares instruídos
Planetas que giram em torno de si,
Libertos da opressão, da ambição promíscua!

Ouvi peixes,
O sermão que levantará o Maranhão
Em dia de Santo António!

Com argumentação sofisticada, prega aos rios,
Repletos de peixes que não falam
Mas que o podem ouvir, se quiserem!
Ele afronta o sistema putrefacto
A mentira, a hipocrisia e a injustiça!
O cardume social segue a sinfonia do vocalista,
Hipnotizado pela sua eloquência,
Pela sua espontânea humanidade!

Ouvi peixes,
O sermão que levantará o Maranhão
Em dia de Santo António!

Tudo evolui, ninguém cá fica,
As caravelas são hoje aguarelas da história,
Mas as palavras ainda são o sal da vida
E o padre-pescador já partiu em paz,
Deixou-nos o seu barco e o seu tresmalho
Para resgatar pobres e oprimidos
Dos desmandos das elites cruéis,
Haverá sempre um peixe contra a corrente!





Imagem meramente exemplificativa retirada da Página RTP Ensina


Nota-Extra: Poema de homenagem ao Padre António Vieira (1608-1697).

Poema nº 359 - Palácio dos sonhos destronados


Palácio dos sonhos destronados
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Num dia vi o teu magistral palácio
Mas não me quiseste na tua corte
Decidiste isso no teu ominoso prefácio
Porque não validaste a minha sorte.

Sorte de te sentir como uma planície
Onde poderia desafiar o tédio mundano
Respirando amor em vez de imundície
Acreditando no dom do teu planeta plano.

Mas esse fascínio logo se revelou infértil
Tu me deportaste para o reino da sombra
Cada palavra tua foi como um letal projéctil.

Chorei rios de mágoa, cedi à depressão
E tu continuaste fiel aos teus desígnios
Porque queres o que eu perdi na criação.





Imagem meramente exemplificativa retirada de: https://www.uckg.org/pt/trono-de-justica/

Poema nº 358 - Não dou graças


Não dou graças
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Não dou graças à vida
Porque iludo-me na claridão
Dos formosos horizontes
Deixando-me encantar
Pela aurora despertante
Que nasce no berço da esperança!
Mas o meu mundo desaba
Logo que emerge o receoso escurecer,
Uma nuvem assombra o espírito
Enclausurando-o num poço profundo
Onde a água turva me provoca amnésia,
Talvez para que me esqueça deste Universo.
O que eu faço aqui,
Não o poderei saber
Luz e escuridão combatem entre si
A cada dia que passa.
E eu sou um peão no meio da guerra
Mas não sei a quem sirvo,
Vivo na incerteza
Que só me alimenta
Porque ainda não fui sacrificado
Pelas forças do destino.

Não dou graças ao raciocínio
Porque impõe-nos regras
A obediência ao oculto
Ao celibato dos instintos selvagens
E nisto tem o meu senso comum cedido
Sem saber se ando perdido
Nesta criação confusa e complexa,
Neste labirinto de dialectos imperceptíveis
Impossíveis de decifrar.
Prometi a mim mesmo
Que não vos iria mentir
Estivesse eu no poço da escuridão
Ou na planície primogénita do Sol,
E por isso vos confesso:
Como invejo o vento
Que nada sente ou pensa
E que vai para todo o lado
Sem pedir justificações
Sem introspecções místicas.





Imagem meramente exemplificativa retirada de: universalprudentopolis.blogspot.com

Poema nº 357 - Frente ao Mar


Frente ao Mar
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Perscruto o Mar
Vejo a minha vida
Cada onda que bate no areal
É uma máquina do tempo
Cada gota, uma memória renascida
E os meus olhos voltam à adolescência
Não porque havia pedido
Mas apenas intuído
Que chegara o momento
De desenterrar o que naufragou
Num ciclo passado.
A espuma das ondas é arte oculta
Vejo o esboçar de semicírculos na praia,
Os meus pés são refrescados
Sinto agora que talvez nunca caminhara,
Ou que talvez, seja mais uma onda do mar
Perdida no epicentro do incógnito.
E não sei mais em que pensar
O futuro é um filho que ainda não nasceu,
E eu, uma compilação de recordações
Cujo mar me brinda com uma poção
Que sempre que nos achamos
Frente a frente,
Faz cessar a minha sede espiritual.





Imagem meramente exemplificativa retirada de: https://www.pinterest.de/pin/528398968749598419/

Poema nº 356 - Verdades Distantes


Verdades Distantes
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Se a verdade é uma meta fútil
Para ti
Que queres o mundo
Por favor,
Não vás para a política
Ludibriar a arraia-miúda,
Não vás para a banca
Ajudar os teus amigos
À custa do erário público,
Não vás para juiz
Ou detective
Porque a falsa imparcialidade
Sentencia pobres inocentes.
Distancia-te das decisões,
Monta antes uma loja
Aprende o que a vida custa,
E dessa lição,
Verás que o povo tudo merece,
Incluindo a verdade.
Não venhas com a demagogia
E todo o tipo de artifícios
Aviso-te que a mentira fácil
Nem sempre camufla eternamente
As intenções caprichosas que te guiam!
Se estiveres descontente,
Tens ainda a agricultura,
Ao menos, cultivarás algo
E a enxada te fará bom homem.
Nunca te consideres especial
Porque como tu há milhões,
Mas também não queiras ser sósia
Ou imitação barata de alguém,
Tenta fazer o teu caminho.
Mas na hora da verdade,
Junta-te ao povo,
Mistura-te com ele,
Brinda à saúde de todos,
A moralidade popular prevalece
Sobre qualquer curso académico
Ou amizade estratégica.
Não podemos escolher os nossos rostos
Nem as origens,
Mas podemos sempre definir:
Os espelhos interiores do nosso carácter
E as camas em que nos deitamos!






sábado, 6 de julho de 2019

Poema nº 355 - Mutações do Corpo Santo



Mutações do Corpo Santo 
(Soneto livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Quero-te tanto, corpo santo
Para me curvar ao teu reino
Onde és Verão sem manto
Escultora de dons sem treino.

O teu coração é o monte Vesúvio
E eu sou um habitante de Pompeia
Que padece de um grave infortúnio
O de não me aceitares na tua ceia.

Sombras e mais sombras perdidas
Bailando por detrás das cortinas
Vozes que ecoam sem ser retorquidas. 

Quando der por ela, já será Inverno:
A tua pele, um glaciar da Gronelândia
E eu, um casto esquimó do interregno.





Imagem retirada do WikiArt

Poema nº 354 - Matemática de Vénus



Matemática de Vénus
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Manifestam-se os aromas dos teus lábios
Que se libertam nos teus múltiplos idiomas
Catequizando folhas dos meus alfarrábios 
Repletos de mitos e primitivos axiomas.

Não que te revele a matemática sentimental
Os cálculos emocionais que me inculcas
Sempre que te prefiguras como mulher irreal
De um mundo beijado com que me sulcas.

O Paraíso existe, é humano e transcendental
Porque em ti, eu me transformo num templo
Onde o teu semblante é autoridade sacramental. 

A nossa geometria corporal é um vitral lendário
Não tanto pelo vinho em que ambos nos saciamos
Mas porque a tua voz é música celta do imaginário.




 Imagem meramente exemplificativa retirada de: https://formacao.cancaonova.com/

Poema nº 353 - O Tudo do Nada


O Tudo do Nada 
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


O tudo é esse nada colorido
De ilusões a que chamamos realidade:
O tempo corre
Não tem idade
Superintende a existência,
É um semi-deus indiferente
Que não exige qualquer crente.
E o tudo
Não passa de uma migalha
Oferecida a um sem-abrigo
Porque todos nós o somos
Viajando na incerteza
Sem qualquer escudo seguro.
A cada momento,
Há um portal para o nada
Esse nada que hoje é tudo
Para quem exige do nada
O fruto do tudo desejado.
Na verdade,
Ninguém vos disse
Que somos moinhos de vento?
Não moemos trigo,
Apenas os dias efémeros da vida
Até que um dia...
Até que um dia...
Nos tornaremos no próprio vento
Que sopra consoante
A aleatoriedade do tempo.





Imagem nº 1 - Um moinho presente na ilha de Porto Santo (arquipélago da Madeira).

Poema nº 352 - Queimem os ossos do génio


Queimem os ossos do génio
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Queimem os ossos do génio,
Nesses lampejos sádicos
Do fogo sem alma
Que consome a madeira
Do cadafalso
Carrasco do orgulho humano!
Admitam que as ordens que seguis
Não são celestiais
Em vós, reside a inclemência
O alimento do ódio
Que persegue as minorias
Sonhais com um mundo tenebroso
Para quem é diferente de vós.
A vossa frustração é assombrosa
O médico de Castelo de Vide
Fintou-vos em vida
Ninguém o desafiara
Porque a sua reputação
Granjeou a admiração de reis!
Dizeis mal dele e do Pedro Nunes,
A vossa inveja é mãe da ignorância
Mas contentai-vos em fazer desaparecer
Os restos mortais
Do já falecido Garcia de Orta.
Atirai ainda para a fogueira
As suas imensas obras
Podeis fazer tudo!
Mas jamais extinguireis o pensamento
Do sábio das plantas medicinais.
E antes que me cortem a língua
Por blasfémia ou injúria
Perguntarei nesta viagem do tempo:
Clérigos inquisidores, que fazeis vós?
Talvez sofrais de amnésia colectiva?
Não aprenderam nada com Jesus?
Obliteraram o amor da missão divina?
O perdão e a compaixão perderam-se?
Ciência e Religião
Desde sempre adversárias,
Quando não inimigas,
Talvez um dia
Bem longe dos tempos actuais
Parceiras...




Imagem nº 1 - Potencial retrato de Garcia de Orta (1501-1568)

Poema nº 351 - O Mar-Cemitério


O Mar-Cemitério 
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Migram nuvens, migram humanos
Guerras fratricidas trucidam povos
Máquinas de morte impõem tiranos
E o silêncio é o segredo dos corvos.

Muitos fogem ao presente abalroado
Aventuram-se nos mares incertos
Deixam para trás o horror despertado
Mas os seus sonhos continuam desertos.

O mundo continua de olhos vendados
Os políticos proferem discursos utópicos
A hipocrisia aceita o afogar dos desesperados.

Almas que sucumbem às ondas implacáveis
Que são vítimas da falsa solidariedade,
Um cemitério de lágrimas imensuráveis!







Nota Adicional: Poema que visa denunciar a falta de humanidade e a hipocrisia dos líderes ocidentais face ao drama vivido pelos refugiados no Mediterrâneo.

domingo, 16 de junho de 2019

Poema nº 350 - A Mulher de Goa


A Mulher de Goa
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


De vestes rosadas, emergia da casta
A perdição hindu das hostes portuguesas
Morena, de um sorriso que a todos abasta
Inculcando sonhos em templos de princesas.

O cabelo escuro amarrado com tranças 
O bindi insigne do seu facial santuário 
Os olhos, vitrais das suas térreas praças, 
Presenteiam os mortais com o imaginário.

Afonso de Albuquerque conquistou a cidade:
A nova Roma do Oriente, sem feras e coliseus,
Mas esqueceu-se de domar a singular beldade!

O Índico não se deixa ludibriar ou seduzir
A mulher de Goa não é uma recompensa, 
É a reencarnação intocável do divino porvir!







Informação Adicional: O Bindi é um apetrecho utilizado no meio da testa, próximo às sobrancelhas. Simboliza, na cultura hindu, o terceiro olho místico (agñá-chakra).

Poema nº 349 - Barqueiro do Sado


Barqueiro do Sado
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Inspiro-me a teu lado
Sou um mero barqueiro
Tu és o olímpico Sado
Água que rasga o nevoeiro!

Rebolo-me pelo húmido areal
E com a cana do coração
Lanço o anzol sofismal
Ao peixe da tua criação!

Entro incógnito no meu navio 
As velas são lábios sedentos
Que anseiam pelo desconhecido.

O teu rio é um rumo de segredos:
Procuro o teu porto imaculado
Ritual final do prazer aromado.




Imagem nº 1 - Um cais presente no rio Sado.
Foto magistral da autoria de Aníbal Lopes na página "Olhares Sapo"

Poema nº 348 - A Ponte da Morte


A Ponte da Morte
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra) 


A noite foi tomada pelo fogo
O horizonte tornou-se numa clareira
Não era Vénus, Deusa do Amor,
Que esculpia labaredas sentimentais
Ou que lavrava mandamentos!
Não era nenhum sonho lírico,
Mas antes um pesadelo sem fim!
Uma chuva de fagulhas irrompeu
Pelo negrume, véu inesperado dos perigos,
Sentenciando vidas estupefactas
Em cinzas levadas pelo vento!
E da ponte de Pripyat
Todos miravam o acidente:
A usina que espirrava blocos de grafite,
O reactor nuclear castrado pelas chamas!
Parecia um filme de ficção científica
Para tantos olhos ingénuos
Que não mediram a proporção
Daquele mal inédito!
Desconheciam as pobres almas
Que o Anjo da Morte
Viria ao seu encontro
Para beijar cada uma
Lentamente
Com os seus lábios radioactivos,
Fazendo-as testemunhas,
Não apenas do acidente,
Mas também das suas mortes iminentes.
Hoje somos nós que observamos a noite
Repleta de estrelas,
Iludidos por falsos optimismos
Na direcção do abismo.
Em cada terra, há um Chernobyl
Um rio poluído
Uma floresta que ardeu
Uma paisagem que ensombreceu,
E não muito longe de nós
Uma ponte
Para a morte!







Nota adicional: Esta é a imagem da ponte da morte situada em Pripyat, situada relativamente perto da usina nuclear de Chernobyl, onde ocorreu um desastre nuclear a 26 de Abril de 1986. Todas as pessoas que observaram o incêndio a partir dessa ponte morreriam nos meses seguintes, absorvendo, sem conhecimento na altura, ondas de radioactividade muito intensas. Este poema foi redigido em memória delas, e para que o ser humano possa aprender a lição de conservar a natureza em qualquer canto do nosso planeta. 

Poema nº 347 - Marinheiro Romântico


Marinheiro Romântico
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Correm os tempos
Já não há sonho sem vida
Ou meta sem almejos,
E tu,
Sombra romântica
Do meu passado
És o Cabo das Tormentas
Que o meu coração enfrenta
A cada dia de navegação
Com as velas rasgadas!
O pulsar acelerado,
A dor latente,
Tudo é levado pelos ventos
Quando és memória viva
No meu mar das Bermudas
Mas não cederei ao canto sedutor
Que emanas das minhas profundidades
Emocionais e tenebrosas
Não me deixarei naufragar
No sofrimento perpétuo
Que me reservas!
Serei como Gil Eanes
Ou Bartolomeu Dias:
Procurarei a minha glória
Dobrarei medos e mitos
Serei senhor das marés
E das baías desnudadas
Onde encontrarei o amor
Agasalhado nas conchas
E musicado nos búzios.





Imagem meramente exemplificativa retirada de: http://mitologia.hi7.co/sereia-57ac369964041.html

Poema nº 346 - Cataclismo em 2401


Cataclismo em 2401
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Acordei em 2401
E vi o Apocalipse:
Oceanos de plástico
Paisagens reduzidas a desertos
Rios que secaram
Temperaturas caóticas,
E os recordes humanos
Que já não são tecnológicos
Mas antes cancerígenos!
De nada vale o arrependimento
O passado não volta.
O planeta outrora azul
Envelheceu
Ficou moribundo!
As suas rugas empestam
Por todo o solo,
E as suas lágrimas ácidas
Caem sobre o seu rosto apagado!
Tudo se vai perdendo
O ar contaminado
Espécies que se extinguem
Fábricas abandonadas
Homens-robots deambulam
Sem pátria, emprego ou casa.
A Terra foi vítima da ilusão
Daqueles que não cuidaram do jardim
Que nos tinha sido confiado.
Quisemos conquistar o Espaço
Porém foi um fiasco
Motivado pela arrogância!
Não há globos alternativos,
Não há uma saída,
Mas o que importa isso agora!
Se recuarmos quase 400 anos
E se lerem este poema de 2019
Deixem que vos avise:
Não viverão tal futuro trágico,
Esse presente envenenado
Ofereceremos aos filhos
Do amanhã!
A nossa herança é um cemitério
Que será o último lar da nossa negligência,
Mas eles, os vivos inocentes do futuro

Nunca terão saído sequer de lá!





Imagem retirada algures do Google

Poema nº 345 - O Cavalo de Tânger


O cavalo de Tânger
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Caíste valoroso cavalo
Nesse areal escaldante
Sem pedires glória ou nome,
O sol está pronto a levar-te
Para o seu limbo secreto
Onde o Deus Marte não reina!
Mas antes de fechares os olhos
Para o amanhã sem fim,
Assiste com a tua retina
Semi-ensanguentada,
À dança bélica do teu senhor:
O infante-mar,
Homem de sangue real,
Que até então carregavas,
Caiu com estrondo no solo
Mas ergueu-se como uma torre
E resiste apeado:
Derruba um, dois ou três ginetes,
Imita os movimentos giratórios do globo
Enquanto desfere golpes
Porém a sua posição complica-se,
As investidas inimigas acentuam-se
O infante benze-se
Junto ao moribundo camarada,
As nuvens ressurgem no céu,
E quando a sombra da morte
Se aproxima do seu destino:
Um grupo sai em seu auxílio
Salvando-o dos perseguidores!
Se tiver que ser
Que se perca o prestígio militar
Mas que se conserve o génio exploratório
Do vulto máximo da Ínclita Geração!
Chove agora torrencialmente
O cavalo sucumbe por fim,
Ele que dera o corpo à causa,
Amanhã será a vez do mártir D. Fernando
Iniciar o seu tormento perpétuo,
Mas Portugal não morre aqui
Está escrito que muitos se sacrificarão
Reis, nobres, missionários e plebeus
Até que o pequeno país alcance o auge
Sonhado por várias civilizações,
Mas apenas concretizado pela garra lusitana!
Hoje, o céu adormece vermelho
Espelhando o sangue derramado em Tânger
E as chagas do egrégio cavalo
Amanhã, acordará azul,
Reflectindo os novos mares dos portugueses!




Imagem nº 1 - O infante D. Henrique a participar na conquista de Ceuta. Painel de Azulejos presente na Estação Ferroviária de São Bento no Porto.
Direitos da Foto - Kali Group Travel

domingo, 5 de maio de 2019

Poema nº 344 - Armas Corrompidas


Armas Corrompidas
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Nunca idolatrei o culto das armas
Nem quero ser peão do ódio,
Mas respeito qualquer exército
Que zele pelo seu povo!
Cada soldado que sirva os pobres
Será um herói nacional,
Mas quando omite a sua missão
Por interesses políticos
Ou obscuridades proveitosas
Torna-se num cadáver andante
Escudeiro do embuste supremo
Fuzileiro contra a fraternidade!
E o povo,
Inocente e oprimido,
Sente a fome de direitos
A sede de justiça
Porque ninguém partilha a sua dor!


Crianças, não desistam da alegria
Mesmo que o pão escasseie em casa!
Idosos, se não tiverem camas
Preservem ao menos o vosso tecto
E não percam a esperança!
Pais, trabalhem até à exaustão
Até que as forças vos abandonem!
Os que se recusam a proteger-vos
Não são certamente soldados
Mesmo que trajem dessa forma.
As suas almas são predadoras,
O seu compromisso social é nulo,
A sua lealdade é ao Deus das Sombras,
E na verdade,
Só se fazem respeitar,
Não pelo mérito e amor do povo,
Mas pelo chumbo das armas corrompidas!





Imagem nº 1 - A crise política/social na Venezuela. Exército reprime manifestantes.
Retirada algures do Google Imagens

Poema nº 343 - Politólogo do Amor


Politólogo do Amor 
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)

Deves pensar que endoideci
E talvez
Tenhas razão
Mudei
Para que me esquecesses,
Simplifiquei a nossa despedida
Porque não queria que sofresses
E até eu me resguardei da dor,
Quiçá dirás
Que fui um cobarde,
Não me censures tanto
O destino me punirá por isso
Mas tu logo percebeste
Que eu não era digno de ti
Arquivaste o meu sorriso
Numa cave do teu subconsciente
Para que nunca mais fizesse despertar
O melhor dos teus mundos!
O teu anjo da guarda
Diz-te que estou em falta contigo
Mas nunca acredites nas promessas
Que saírem da minha boca:
Sou um politólogo do amor
Penso, escrevo e idealizo
Porém sou um mero teórico
Um demagogo da planície
Um semáforo dos teus sentidos,
Perdi-te numa maré da vida
Deixei ancorar-me na visão austera
De que não fomos feitos um para o outro!
Que venha agora a onda colossal
Para que isto só tenha sido um sonho!





Poema nº 342 - O Massacre dos Inocentes


O Massacre dos Inocentes
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


O alarido irrompe pelo vilarejo
Soldados, mandatados pela morte,
Arribam para semear o pânico
Gritos ecoam pelas ruelas
E logo se ocasiona uma pintura lúgubre
Traços vermelhos esbatem-se nas paredes
Sangue salpicado de bebés inocentes
Cujo choro agudo foi suprimido
Pelo desferir das raivosas espadas!
Belém já não é um lugar de paz
Mas antes um cemitério de crianças
Cruelmente degoladas,
Abandonadas pelo solo
Ou nos braços das suas mães
Impotentes, incrédulas, devastadas!
Herodes, patrocinador do infanticídio,
Sente que o poder o endeusa,
E vive para a soberba e a ganância,
Mas algo o inquieta,
A sombra de um futuro
Que o vulgarize
Que possa trazer alguém superior!
A loucura do rei ímpio
Provocará nas mães rios de lágrimas
Que rasgarão o deserto
Desaguando no Mar Morto!
Mas o rei da Judeia é apenas um mortal,
Que incutiu temor nos súbditos,
Porém, o sol não deixou de nascer
E a lua não fez atrasar o tempo,
A hora de Herodes chegaria,
E o Menino que ele queria eliminar,
Nasceria mesmo em Belém
Como alegavam as profecias!
Entraria um dia em Jerusalém
Montado num jumento:
Não trazia ouro para corromper
Ou exércitos para impor o medo,
Apenas a primazia do amor
Um novo amanhã para a humanidade!





Imagem meramente exemplificativa retirada de: https://pt.zenit.org/.../herodes-o-grande-um-covarde-com.../

terça-feira, 30 de abril de 2019

Poema nº 341 - O lado metafórico dos chorões


O lado metafórico dos chorões
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Fixados sobre as dunas,
Os chorões não são só plantas
São sentimentos de paixões não-correspondidas,
Metáforas incompreendidas!
Os seus caules rastejantes
Simbolizam os longos caminhos tortuosos
E as suas retesadas folhas carnudas
São feridas cravadas nos corações,
Mas a sua flor é uma dádiva da Natureza
Que celebra a coragem dos que sofreram
Quase eternamente por amores impossíveis!
Só o fruto impoluto dos chorões
Poderá libertá-los do recorrente suplício,
Alimento sagrado que revigora os rejeitados
E abre os horizontes de um novo amanhã!
Os chorões prendem os areais
Mas liberam a nossa tristeza,
Basta que olhemos para as suas adversidades:
Se eles resistem aos mais terríficos temporais,
Porque não conseguiremos
Nós mesmos
Ultrapassar as oscilações extremas
Que proliferam por entre as nossas emoções?
Talvez, preferimos ser outro tipo de chorões:
Chorões humanos,
Transformados em cascatas de lágrimas
Que, pelos olhos, vertem desalmadamente
Para atenuar a dor,
Mas cuja fórmula não nos resolve
Nem nos indica um novo caminho!




Foto da autoria de Paul Hackney, Ulster Museum
Retirada d'O Blogue Verde


Nota-Extra: Como é lógico, este texto é metafórico. Apesar das palavras observadas no poema, o leitor não deverá ingerir o fruto dos chorões. Não sabemos se o mesmo é benéfico ou prejudicial para a saúde.