Conteúdos do Blog

Nesta página electrónica, encontrará poemas e textos de prosa (embora estes últimos em minoria) que visarão várias temáticas: o amor, a natureza, personalidades históricas, o estado social e político do país, a nostalgia, a tristeza, a ilusão, o bom humor...

domingo, 19 de novembro de 2017

Poema nº 260 - Noite de Castelos e Caravelas


Noite de Castelos e Caravelas
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Deixa-me adormecer nos teus cabelos
Cerrar as janelas dos teus ébrios olhares
Para que a guarnição dos teus tornozelos
Se renda às desfolhadas outonais ímpares!

Deixa-me ser o amor em forma de castelo,
O guardião dessas tuas pétalas irracionais
Que desfilam pela altiva torre de menagem
Até desembocarem nos pátios imemoriais!

Não pensemos já nos exércitos do futuro 
Que cá virão para destruir o nosso sonho,
Falcões endrominados pelo almejo impuro!

Celebremos antes a ópera das estrelas
Nesta longa noite que foi por nós egoísta:
Porto das nossas venturosas caravelas!




Poema nº 259 - A luz foragida de Júpiter


A luz foragida de Júpiter
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)

Ao longe, eras um sol
Que esculpia torrentes de inspiração,
Protegendo a lua enlutada
Que te confiou o dia
Só para que esboçasses
O sopro sorridente da vida. 
Mas ao perto, 
Tornaste-te imprevisível
Como um asteróide enraivecido
Que fez tremer a terra,
Fazendo tombar o meu coração
Por entre as fissuras do solo
Cavando novos precipícios 
Que desciam solitários
Até ao negrume do vazio infinito.
E tu, mulher:
Sol querido e Asteróide revolto,
Sumiste-te por entre os portões
Do Palácio de Júpiter!
Deixaste de iluminar o meu dia,
De ser a candeia dos meus sonhos,
A fogueira do meu singelo coração,
E desapareceste,
Como um asteróide, 
Rumando para outra galáxia,
Sem que te declarasse o amor
Que nutria por ti,
Sem que depositasse no teu dedo
Um dos mais belos anéis 
Que Saturno me havia cedido
Para elevar a tua fisionomia supra-natural!




Foto retirada algures do Google Imagens

Poema nº 258 - A Alta Torre da Sabedoria



A Alta Torre da Sabedoria
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Não discutas com a torre da sabedoria
Porque ela do alto da cidade tudo visiona
Sancionando a boçalidade da periferia
Onde o vício da ignorância se ocasiona.

Não queiras ser uma torre também,
Porque corres o risco de te perderes
Diante das rajadas de ego que te coíbem
Da simplicidade dos teus rurais víveres. 

Sê antes uma pedra no riacho do amor,
Ou um boémio encostado a uma árvore
Vendo na neutralidade a cura para a dor.

Porque da ébria torre do conhecimento
Também nascem dragões indomáveis
Que flagelam o salutar discernimento.




Gravura retirada algures do Google Imagens

Poema nº 257 - É bom perder


É bom perder
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)

Por vezes, é bom perder
Porque é do erro
Que nasce a perfeição
O atalho para a virtude.
Perder é crescimento
Sofrer é amadurecimento,
Acautelar é sabedoria,
E tudo o que nos leva a perder
São meras lições do tempo
Que nos incute humildade
Em vez da vã sobranceria
Natural nos recorrentes vencedores!
Porque para saber ganhar,
É preciso saber perder,
Para se dar dois passos à frente,
Pode ser necessário dar um atrás,
E na aceitação das nossas limitações
Encontramos o segredo para a superação
Individual e colectiva
E o valor que devemos às nossas vitórias,
Mesmo que estas sejam ínfimas.
Afinal, o segredo da satisfação interior
Passa mesmo por aí:
Aceitar as consequências do perder
Como tutoras do espírito
Nas futuras aventuras do vencer!




Imagem retirada algures do Google 

domingo, 12 de novembro de 2017

Poema nº 256 - A Sumição do Comboio


A Sumição do Comboio
(Poema livre da minha autoria)

Engolfado pelos sonhos densos
Que a Lua me endereçava,
Seguia eu com os meus colegas
Num comboio
Que trilhava linha à beira-mar
Entre Espinho e Granja!
Das janelas, via-se o mar
Com um semblante bravo,
Concentrando em si a fúria de Poseidon
E parecendo querer tomar tudo em redor!
E as primeiras ondas começaram
A ameaçar a estabilidade do comboio
Derrubando dunas e passadiços
E embatendo na máquina ferroviária.
Em segundos, uma onda maior se formou,
O maquinista ainda abriu as portas
E eu, em poucos milésimos, logrei fugir,
Sorte reservada a poucos.
A maior parte da tripulação seria engolida
Pelo mar, pela crueldade do destino.
E nem os nadadores-salvadores
Chegariam para acudir os que se afogavam.
Depois acordei,
Aliviado e consciente de um pesadelo,
Os meus colegas estavam vivos e de saúde,
Mas metaforicamente,
O comboio era um ciclo de vida,
O mar era o tempo trajado à atleta,
E o meu mundo era a minha vida fugaz
Dada a esquecimentos sucessivos,
A desencontros múltiplos,
A desaparecimentos silenciosos
De almas amigas inspiradoras
Que integraram momentos,
E apenas momentos,
Desta minha madrasta peregrinação!




Praia sita entre Espinho e Granja/São Félix de Marinha com linha ferroviária. Foi aí que se incidiu o meu sonho/pesadelo.
Foto - Playocean.net

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Poema nº 255 - Céu de Cinza


Céu de Cinza
(Poema da autoria de Laurentino Piçarra)


O céu,
Vejam bem o céu
E como ele se agasalha
Com um casaco em tons acinzentados,
Para se resguardar da incúria humana. 
Não é pois a frieza temporal 
Que aniquila os povos
Mas antes a algidez humana
Radicada na indiferença dos poderosos 
Face ao calvário dos mais oprimidos!
Esse céu que se esconde timidamente
Em pleno Outono
É para os mais pobres
O refúgio das suas esperanças futuras,
Mas os ricos
Vêem-no como intercessor transcendental
Dos méritos que solidificam a sua soberba.
Na verdade,
Estes versos não nos levam a lado nenhum:
São meras folhas caídas
Dispersadas pelo vento
Que sopra pelas calçadas desertas
Sem que ninguém o queira presenciar.
Amanhã,
Quando o céu acordar,
Talvez já não estejamos cá,
E a Terra não seja mais que o seu reflexo,
Nu, triste, mórbido e depressivo,
Vítima do capitalismo e da ganância
Que vilipendiaram a fraternidade
E os últimos bastiões da moralidade.






Poema nº 254 - Perdoa-me a vilania


Perdoa-me a vilania 
(Poema da autoria de Laurentino Piçarra)

Se me amavas
E eu não te retribuí
É porque fora cegado pela ilusão
Pela mentira que avassalou o meu coração
Sem que te valorizasse
Como realmente merecias!
Se te magoei inconscientemente
Ao desejar outra mulher
Mereço ser por ti ignorado
Até à derradeira treva da escuridão
Soltando o meu arrependimento
Pelos sumptuosos anéis de Saturno!
Não sou merecedor do teu sorriso
Ou do teu carinho amistoso!
Desculpa-me, desculpa-me de verdade
Se neste crispar de emoções,
Não atendi ao amor que nutrias por mim,
Merecias mais, muito mais da minha parte!
Contudo, o destino
Esse agente imprevisível e infalível
Esboçou ironicamente um novo ciclo,
Onde sou eu que sinto agora por ti
Aquilo que antes sentias por mim,
E como rezam as crónicas da realidade,
O meu coração tornou-se num arquivo
De decepções reinantes,
De erros sucessivos,
De visões malogradas,
Mas quando analiso o teu pergaminho
Então ali bem escondido,
Pergunto-me:
Porque é que cometi o sacrilégio de ignorar
O teu lindo, perfumado e colorido texto
Onde a tua letra carolina
Era a chave da felicidade para o meu futuro?






segunda-feira, 31 de julho de 2017

Poema nº 253 - O Imperador do Tempo


O Imperador do Tempo 
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)

Correm as brumas no horizonte
Perfumando de angústia
O meu espírito solitário.
Não sei a que rei obedeço
Ou a que princesa hei-de amar.
O tempo vai passando
E o destino é imperador:
Nada o poderá vencer
Ele acomoda-se no seu trono,
Bramindo a espada de excalibur
E ostentando o livro do universo,
Tudo o que ele dita
Não é lei, mas facto verificado.
Todos somos cobaias
Da sua autocracia feudal!
A este vulgo gladiador
De proveniência aldeã,
Que entoa a canção de Rolando
Para recordar cada sacrifício diário exigido
O destino torturou-o até à exaustão,
Decepando almejos amorosos
E arruinando sonhos sucessivos!
Mas para quê lutar?
Já que o futuro afinal a ele pertence?
E a minha agonia sufocante
Derivada da minha impotência mundana
É fruto do seu poder opressor!




Poema nº 252 - Cortina de Fumo


Cortina de fumo
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)

Dissipa-se mais um pedaço
Do meu coração platónico
Perante uma cortina de fumo
Que o cobre gradualmente.
O negro apodera-se do vermelho,
A indiferença vence a paixão,
E eu que sonhei beber dos teus lábios
Durante 1001 noites,
Regresso agora à realidade
Onde tu és um mero sonho
E eu, um Romeu sem Julieta,
Que viverei sem ti,
Assistindo ao martírio
Dos meus genuínos sentires!
Sei que não estás ao meu alcance
E por isso, descomprometo-me
A amar-te perdidamente
Porque sei que nunca me olharás
Como teu príncipe!
E como um dia não te verei mais,
Deixo-te um beijo suave no rosto,
Uma rosa fulgurante nas mãos
E um abraço nostálgico
Do tamanho do teu mundo,
Mundo singular esse...
Onde eu, vulgo figurante
Desse filme da tua vida,
Não estarei mais presente.




Imagem retirada algures do Google Imagens


Poema nº 251 - Sempre que me tocas


Sempre que me tocas
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)

Sempre que me tocas
O meu corpo estremece
Sofre réplicas emocionais
Rendendo-se por dentro
À magia que carregas
Por entre esses teus dedos suaves!
Quando tocas na minha mão
Mesmo que involuntariamente
Sinto que perco a razão
Ao contrariar-te com o silêncio
E ao tentar renegar o que sinto.
Mas não sei o que fazer
Nem tampouco o que dizer,
Sou refém da indecisão,
Do medo em voltar a amar
De te desiludir sem que o mereças!
Mas a cada noite que passa
Confidencio à lua e às estrelas
A sorte que tenho
Quando me dedicas um olhar teu:
Autêntico cometa resplandecente
Que trespassa a minha alma
Despindo os meus sentimentos
Sem que eu tenha poder de defesa
Ou arte de negação possível
Perante a tua polidez,
O teu sorriso genuíno feminino!




quarta-feira, 26 de julho de 2017

Poema nº 250 - Não olhes para ontem!


Não olhes para ontem!
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)

Não olhes para ontem!
A Lua estava deprimida
De ver o teu rosto triste
Traído pelo sentir incompleto
Do teu coração remoído.
Concentra-te antes no Sol
Na sua bíblia de alegria
Em que cada mandamento
É um raio de inspiração diário
Que difunde paz e optimismo!
Liberta esse capuz excruciante
Que carregas para encobrir o rosto
Embaraçado pelo passado turbulento!
Reergue as tuas energias,
Renasce para a verdade,
Reagrupa o teu exército de virtudes
E marcha...
Marcha até que as tuas cores
Possam ir além de ti
Pintando um arco-íris
E transformando uma colina árida
Numa planície florida
Onde proliferam os pardais
Voando sobre os lírios do amor!




Imagem retirada de: http://anjodejustica.blogspot.pt/

Poema nº 249 - A paixão perecida nas Berlengas


A paixão perecida nas Berlengas
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Senti outrora um grande amor
Embalado pelas ondas de Peniche
Que exalavam uma maresia afrodisíaca,
Restaurando a ilusão
Do meu ímpio espírito!
Achava eu ter descoberto a arte náutica
Mas na verdade,
O leme do meu navio se rasgou
Com a fúria da tempestade repentina
Que se voltou a abater sobre o destino
Tão infiel à minha felicidade.
Aquela sereia,
Que por tanto olhei e venerei
Fugiu de mim:
Rumou para as Berlengas
Enclausurou-se no forte
Circundado por um exército de gaivotas
E um punhado de pescadores arrojados!
E eu,
Sem qualquer auxílio,
Morri mais uma vez na praia,
Quem se atreverá agora a ressuscitar-me?




Imagem retirada do Youtube

Poema nº 248 - Naquela viagem de comboio


Naquela viagem de comboio
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)

Naquela viagem de comboio
Avistei o sobressair das escarpas
Cobertas de densas vinhas
Que amadrinhavam desde o alto
O sempre jovem rio Douro
Conferindo-lhe a abençoada plenitude.
As águas corriam mansas
E mesmo os seus musgos
Equiparavam-se a sardas
Que completavam um belo rosto!
E ali estava o rio pujante,
Consciente da sua nobreza,
Dirigindo-se rumo à Régua,
Percorrendo aldeias pitorescas
Ultrapassando calhaus milenares
E uma paisagem toda ela verdejante!
Mas aquele jovem rio não estava só:
Por entre os selváticos arvoredos,
Dionísio e Artémis beijavam-se enrolados
Por entre as folhas do amor,
O primeiro oferecia o vinho dos seus lábios
A segunda retribuía com a sua alma indomável,
Caçando corações a cada ciclo lunar.
E eu que também me senti rendido
Àquele santuário oculto da mitologia grega,
Queria ser parte do seu cenário natural,
Talvez uma colina frutificada,
Berço de ancestrais e futuras paixões,
Na qual o meu "deserto espiritual"
Seria suficiente para inspirar
Duas outras almas a cobrirem-se
Uma à outra
De uma infinidade pura de afectos
Por entre os ternurosos mantos verdes
Da voluptuosa Mãe Natureza,
Acalorada pelos beijos floridos
Que perpetuariam a magia do amor!




Foto da minha autoria tirada na Régua



Nota-extra: Dionísio e Artémis eram divindades gregas. O primeiro era deus do vinho e das festas. É equivalente ao deus romano Baco. Por seu turno, Artémis era a deusa da caça, da vida selvagem, da virgindade e protectora das meninas da Grécia Antiga. Está também associada à lua e à floresta.

Poema nº 247 - Não me ames


Não me ames 
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)

Queres um conselho:
Não me ames
Porque uma flor como tu
Não precisa de um jardineiro
Tão desaprumado como eu.
As tuas pétalas são asas
De um querubim
Que só o vento as pode desnudar
Fazendo soprar uma aragem musical
Que penetra pelas janelas
Embalando de sonos idílicos
As pessoas que jazem tranquilas
No edificante imaginário do amor.
E tu bem sabes
Que o meu olhar revela impotência,
Porque te reverencio,
Mas quem sou eu diante de ti?
Que direito terei eu de arrancar-te
E exigir-te só para mim,
Quando só a tua venustidade ímpar
Pintura florida de uma mulher indígena,
Chega para inspirar meio-mundo?
É caso para te dizer:
Não me ames.




Imagem retirada de: http://mapio.net/pic/p-43368749/

Poema nº 246 - A Derradeira Mulher das Índias


A Derradeira Mulher das Índias 
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Não sei como herdaste
Todos os traços desse teu rosto
Soberbo anacronismo indígena
Que prevalece na modernidade
Com um sorriso tão terno e simples!
Jurei a mim mesmo
Que não recorreria a palavras caras
Para narrar as tuas virtudes
Porque aí seria um náufrago
No seio do vasto Oceano Pacífico!
Logo que te avistei
E trocámos sorrisos infinitos
Percebi que eras um tesouro
De carinho e sensualidade!
Não sei como Cristóvão Colombo
Nunca te conquistara,
Tu eras o El Dourado
Entre as ameríndias,
Uma Pocahontas
Verdadeira Princesa Morenaça
Trajada de pérolas dos rios
Que através de uma jangada
Cruzou as águas do desconhecido
Chegando aos meus incógnitos dias!
E se o teu nome aqui não direi,
É porque deixei-me vencer pela timidez
Pelo sopro do inerte Universo
Que para ti foi criado
Como um enigma peculiar
Que jamais, enquanto comum mortal,
Ousarei resolver.




terça-feira, 6 de junho de 2017

Poema nº 245 - Sono Eterno


Sono Eterno
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Como venero aquele sono imortal
Embriagado pela brisa apaziguante
E pela música dos pássaros do quintal
Que conjugam o limbo reconfortante!

Distanciado das agruras quotidianas
Ali estou, sozinho, na janela do nada
Num universo de normas cartesianas
Onde comungo de cada hora vaga!

Sinto-me o Deus da minha paz interior,
Pratico a religião livre do subconsciente
Onde não há preconceito nem dor!

Se estar morto é viver todo esse sono,
Então a morte é um privilégio único:
A fuga a um mundo que é nosso dono!




Poema nº 244 - Fui apenas uma onda


Fui apenas uma onda
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)

Fui apenas uma onda
Desse teu mar
Que soprou pela aurora
Adormecendo para a eternidade!
Toda a minha energia dissipou-se
Ao colidir com o modesto areal,
Enquanto tu permanecerias intocável
Diante dos demais Adamastores!
O teu olhar sorridente
Gera agora em mim
Lágrimas de sal
Que baptizarão búzios
Junto às rochas
Onde a tua voz
Ainda se fará escutar
Curando corações destroçados,
Milagre divino
Que só tu poderias realizar!
Mas eu esvaio-me da tua existência,
Saudades tuas terei,
Mesmo transitando para o vazio
Esse adverso cortejo da indefinição!
Mas quando sentires
Uma frescura facial repentina
Lembra-te que foi um beijo
Florido mas discreto
Que te depositei invisivelmente
Enviado de outro mundo!




Fotografia retirada algures do Google Imagens


Poema nº 243 - Desconheço-me


Desconheço-me
(Poema da autoria de Laurentino Piçarra)

Desconheço-me
Neste existir turbulento
Onde eu sou refém do sonho,
Do limbo que paira na ilusão!
A cada dia, padeço dum despertar
Que é sombrio e desencorajador
Acarretando indefinição
E todo um sacrifício ciclónico
Que vulgariza o meu ser
Apadrinhado pelas amarguras!
Sou agora um cravo murcho
Renitente diante da democracia.
Sou agora uma rosa arrancada
Que viu o amor fugir.
Sou agora um manto de silvas
Que cobre os meus caminhos
De uma forma sagaz e azeda,
Fazendo das potenciais saídas
Autênticos e intransponíveis becos
Que me prendem nesta depressão
Nesta carência contínua,
Neste labirinto de miragens,
Onde não encontro a dócil alma
Que possa curar o meu interior
E enviar-me para a luz da paixão,
Transformando a sonolência criativa
Numa realização mundana positiva.





Poema nº 242 - Se apagassem a nossa memória


Se apagassem a nossa memória
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Se apagassem a nossa memória
E nos reinstalassem numa ilha,
Repleta de gente sem história,
O pensar não sairia da escotilha!

O primeiro reencontro seria sinistro
Tu sentirias um deja-vu sensual
E eu uma contemplação sem registo:
Repetida fórmula quântica matinal!

Porque o sentir vence sempre a razão
Mesmo que se baralhem as cartas
Por vezes afins até à plena exaustão.

E a lua agora cai junto das palmeiras 
Amadrinhando a nossa poesia ardente
Que prevalece sobre a amnésia latente!




Imagem retirada de: http://www2.uol.com.br/

Poema nº 241 - O leito da minha morte


O leito da minha morte
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Nos últimos fôlegos da minha vida
Queria repousar nos teus lábios
Túmulos vivos da paixão apátrida
Esculpidos pelos querubins sábios!

Queria cruzar-me de olhares contigo
Com o mesmo brilho da primeira vez,
Queria saborear-te como um figo
Antes de te confiar à pesarosa viuvez!

Desejava sentir teus dedos marinheiros 
A capitanear por entre os meus caracóis
Ondas onde atracavas os teus veleiros!

Com a tua mão colocada sob o meu peito
Despedia-me na rota do sono profundo
Olvidando para sempre teu rosto perfeito!





segunda-feira, 3 de abril de 2017

Poema nº 240 - Queria perder-me no abstracto


Queria perder-me no abstracto
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Queria perder-me no abstracto
Ser plural no seio da imensidão
Esquivando-me a qualquer retrato
Que definisse uma cruel precisão.

Não quererei alojar-me no concreto
Ou numa clausura de sentimentos
Como um monge norteado por decreto
Por cantos gregorianos de lamentos!

A felicidade supera qualquer barreira
Impele-nos à anarquia sã do desejo
À veneração pagã da arte pioneira!

E nesse culto de pendor selvagem
Renasceria para o fruto verdadeiro
Para a vitalidade da minha paisagem!




Poema nº 239 - Ceguem-me...


Ceguem-me...
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Ceguem-me se outrora te vi
E não despertei o meu olhar
Num luar de sonhos que perdi
Sem saber que te iria amar!

Não mereço a sorte da vida
Porque ignorei o teu amanhã
O mecenato da tua guarida
O templo da tua montanha!

Se antes te vi e não pressenti
O meu vindouro amor por ti
É porque te fui infiel e menti!

Traí-te, e traí-me a mim próprio
Porque não senti amor repentino
Não decifrei os planos do Cosmos!




Imagem retirada algures da Internet

Poema nº 238 - Culto da Solidão Perpétua



Culto da Solidão Perpétua
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Inúmeros anos se atravessaram
Sem avistar a luz do teu rosto!
Muitas memórias se eclipsaram
Consagrando o eterno desgosto!

Celibatário devido à tua ausência
Encho a pia baptismal com lágrimas:
Água cristalina da minha dissidência
Saudosa do corpo que esgrimas!

Enquanto monge que por ti professo 
Apenas não me coíbo dos sonhos:
Vitrais do nosso mútuo regresso!

Mas não há profecia que nos una:
Tu és agora uma mãe virtuosa
E eu poeira que o vento fuma!





domingo, 2 de abril de 2017

Poema nº 237 - A Primavera da Alma


A Primavera da Alma
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


A poesia é a primavera da alma
Tudo floresce nas circundâncias
Tirando proveito da brisa calma
Que erradica pavores e ânsias.

Um poeta é um exímio plantador:
Cultiva a árvore da doce harmonia
Semeia o vindouro fruto do amor
E herda das ninfas a sua sinfonia.

Não há versos sem sentimentos
Não há natureza sem plantas
Não há bonança sem adventos!

É tudo arte aquilo que nos rodeia:
Dali se bebe da fonte do poetizar 
Que cada coração tímido incendeia.





Imagem retirada algures da Internet

Poema nº 236 - Dói-me


Dói-me 
(Poema da autoria de Laurentino Piçarra)


Dói-me
Viver cada dia sem te ver
Sem te dizer que foste a mulher
Que sarou o meu coração oprimido
Quando eu já não acreditava no amor!
E mesmo não merecendo a tua brandura
A verdade é que te sou devedor:
Provaste que estava equivocado,
Que voltaria a sentir o calor da paixão,
E mesmo não sendo correspondido
Agradeço-te a ternura,
A arte do teu ser
As pétalas do teu sorriso rosado!
Tudo o que tu fazias
Estava certo,
Eras pintora do meu sorriso
Escultora da minha auto-estima!
Mas as forças ocultas me furtaram
Desse paraíso sentimental
Sem me despedir de ti,
Sem te prestar o meu elogio!
Não sou digno do teu pedestal,
Da tua dignidade de princesa
Comprometida diante das estrelas!
E por isso, deixei de te visitar
Resignado pela tortura da realidade
Pela impotência do futuro.
Resta-me agora ser um vilão da noite
Que se refugia na poesia
Na ilusão da escrita
Para perpetuar a tua grandeza
O teu exemplo que me inspira!





Imagem retirada algures da Internet

Poema nº 235 - Criança Adormecida



Criança Adormecida
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Pergunto-me:
Porque deixei de ser criança?
Porque vendi a minha ingenuidade?
Porque abdiquei dos sonhos?
Cresci para ser alguém
Mas ser alguém não é ser criança,
Não é desfrutar da sua pureza
E do seu altruísmo incondicional.
Se pudesse ingerir uma poção mágica
Para regressar ao limbo da fantasia
Faria-o na crença da inocência eterna
E no cessar desta vida condicionada!
Rejuvenescido diante do tempo 
Pintaria um vigoroso arco-íris
Para que este florisse o céu monótono,
E quando finalmente mergulhado 
Nesse cortejo de cores,
Voltaria a sonhar
Voltaria a esboçar um sorriso,
Voltaria a ser eu mesmo
Sem segundas intenções
Exclusivas da era adulta!
Agora resta-me apenas ser pai um dia
Para voltar a fazer renascer 
Parte dessa criança
Que ainda não morreu em mim,
Mas que jaze adormecida
À espera de ser acordada 
Por uma outra alma infantil 
Que partilha da mesma linguagem,
Do mesmo sentir genuíno!





Direitos da Imagem - Maktub Facebook

Poema nº 234 - Mulher da Humanidade


Mulher da Humanidade
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


A vida sem ti
Seria uma morte iludida,
Um prado sem flores,
Um oásis sem água potável!
Tudo seria em vão
Porque o meu débil coração
Apenas mora em ti
Recusando outros abrigos!
E se não o sentisse
Seria um ateu do amor,
Deixaria derrotar-me pela frieza,
Pela morbidez celibatária!
Não gozaria sequer de inspiração
Nem para a escrita,
Nem para o mundo!
Seria órfão da tua ausência
E cativo de um destino obscuro!
Mas fui bafejado pela sorte
E desfrutei da benesse de te ver,
De me cruzar contigo
De agradecer a tua generosidade
De te amar até em segredo
E de acreditar que mulheres como tu
Fazem falta, não a mim,
Alienado pelo meu sentimento egoísta,
Mas antes à carenciada Humanidade!






Poema nº 233 - A Flor dos Ventos



A Flor dos Ventos 
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Recitem-se os salmos da natureza,
Porque dos montes áridos alentejanos
Irrompem rajadas de sonetos
Que convergem rumo ao Norte,
Fretando vivências singulares
De angústias incessantes
De amores frustrados
De sonhos por desvendar!
Os ventos dessa sua inspiração
Eclipsaram-se do interior adormecido
Para agora se dispersarem pela costa, 
Penteando o mar virgem
E acarinhando o areal macio,
Na certeza de que o afecto,
A terapia imprescindível da humanidade,
Poderia erigir novos castelos de paixão!
E ali estava ela,
Junto à charneca de uma lagoa,
Com miradouro perfeito para o mar:
Uma flor especial
Cujas pétalas tricolores
Eram afinal rimas genuínas
Que encimavam as dunas da ignorância
Para abraçar os novos ventos modernos
Dos quais, ela também fora empreendedora!





Foto - RTP



Nota-Extra: Poema de homenagem a Florbela Espanca, onde procuro no final do mesmo, aflorar a sua passagem por Esmoriz (referência indirecta a uma lagoa - Barrinha de Esmoriz, e ao próprio mar), como fonte natural da sua inspiração, visto que alguns eruditos acreditam que ela escreveu versos durante os dois anos em que esteve aqui viver. Uma das suas principais obras chama-se mesmo "Charneca em Flor", podendo mesmo esta conter versos escritos durante a sua estadia na então aldeia de Esmoriz por volta do ano de 1925.

Poema nº 232 - A Varina de Ovar



A Varina de Ovar 
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Solta-se um palavrão carrancudo
E lá vai ela com o cesto na cabeça
Difundindo o odor do peixe miúdo
Que incentiva o cidadão à despesa!

A sua dança não é um dom artístico
Mas obedece ao jugo do equilíbrio 
Coreografia de um azulejo místico 
Grito de um pincel ao livre-arbítrio!

Proferem-se sardinhadas de palavras,
O freguês regateia o preço firmado
Mas a varina faz triunfar o seu fado!

E o mar perde-se no vasto horizonte,
Poupado à euforia do povo feirante
Mas criador da varina contagiante!





Imagem retirada algures da Internet (Google Imagens)
Azulejo presente na Estação Ferroviária de Ovar



Notas-Extra: Muitas varinas de Ovar fariam a sua vida em Lisboa, onde adquiriram maior visibilidade. O cesto que a varina leva na cabeça é conhecido tradicionalmente por canastra.

sábado, 11 de março de 2017

Poema nº 231 - Desmintam-me os deuses


Desmintam-me os deuses
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Desmintam-me os deuses
Se o teu vestido de turquesa
Não é cópia fiel do teu oceano
Onde te moves como uma ninfa
Beijando o pôr-do-sol no horizonte?!

Desmintam-me os deuses
Se essa tua coroa de flores
Onde depositas todas as proezas,
Não é a tua fiel companheira de viagem
Logo que sais do mar e abraças a terra?!

Desmintam-me os deuses
Se esses teus olhos verdes
Não reflectem o mais pacato bosque
Que visitas durante as tardes de neblina
Antes de adormeceres junto a um salgueiro?!

Desmintam-me os deuses
Se essas tuas vistosas saias
Não são antes o mundo a girar à volta,
Ou melhor, o meu próprio mundo
Onde morro por ti, e em ti?!

Desmintam-me os deuses
Se te iludo com a minha modéstia
Se te finto à verdade com poesia abstracta,
Ou se apenas sou um rochedo silencioso
Parte privilegiada do teu majestoso percurso?!





Imagem meramente exemplificativa retirada de Pinterest 
(Créditos - Katerina Plotnikova)

Poema nº 230 - Ovar é prosa


Ovar é prosa
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)

Ovar é prosa
Soprada pelo vento
Que sonda as janelas
Fazendo bailar cortinados
Verdadeiras máscaras desfilantes
Dos seus zelosos proprietários!

Ovar é prosa
Perfumada pelo oceano:
Cada palavra sua exala maresia,
Cada frase sua se enclausura num búzio
Que se enrola abraçado pelo areal
Até se dissipar nas ondas do infinito.

Ovar é prosa
Que converge pelas calçadas
Através da voz dos seus comerciantes
Que elevam os produtos da terra,
Prestando uma idolatria suprema
À cidade, sua mãe benemérita.

Ovar é prosa
Porque as suas fontes jorram histórias
Que saciam famílias desesperadas
Não só de água, como de sabedoria
Refrescando o interior de cada um
E prosperando vitoriosos oásis no deserto.

Ovar é prosa
Que não se esgota nos azulejos,
Porque professa a arte da continuidade
Metamorfoseando-se de imensas vocações
Que a tornam ávida de criatividade
Nesse almejar das suas incessantes recriações!

Ovar é prosa,
Porque não escreve sozinha,
Não é biógrafa de si mesmo,
É sim actriz principal de uma encenação
Embalada pela irreverência teatral
E cujo enredo profícuo nunca expira!

Ovar é prosa
Porque ali viveu o príncipe do romance:
O seu pseudónimo era Júlio Dinis
E as suas obras despoletaram um arco-íris
Que ainda hoje prevalece comedidamente
Sobre aqueles que aqui vivem para a arte!





Direitos da Foto - Revista Evasões 
(Fotografia de Maria João Gala e André Gouveia/Global imagens)

sexta-feira, 3 de março de 2017

Poema nº 229 - O Teu Colar de Penas


O Teu Colar de Penas
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Irrompe na sua perícia matutina
O cortejo de raios solares
Que penetram pelas fendas da cabana
Gravando nas tuas costas
Então prostradas ao relento
O fogo que ali ousei entronizar
Nas noites loucas
Em que as nossas salivas unidas
Formavam rios inóspitos
De temperaturas abrasivas,
Convergindo num só único sentido
Através de fluídos de lava
Bombeados pelos nossos corações!
Mas a tropicalidade do nosso amor
Não se confinava apenas aos beijos lânguidos
Que partilhávamos em cada crepúsculo!
Não, até a Lua, a mãe-criadora das noites,
Se rendeu ao colar de penas
Que carregavas ao pescoço!
E eu que fui abordado pela tua graça,
Minha Pocahontas da vida real,
Adormeci nos teus braços,
Bebi das tuas cascatas de leite,
Perdi-me na tua floresta
Sem ter de sair da nossa cabana.
E foi na caminhada até ao monte
Dos inenarráveis mistérios
Que voltei a focar-me no teu colar
Gerado por mãos indígenas.
Ele era afinal o teu templo
Reflectia em ti:
A faceta selvagem,
O íntimo cristalino,
A sensualidade singular
O sacramento que me oferecias diariamente
Sem que eu merecesse
Ser retribuído pelo teu soberbo clarear!





Imagem da autoria de Jesse Kraft (http://pt.123rf.com/)

quarta-feira, 1 de março de 2017

Poema nº 228 - O Rouxinol do Povo


O Rouxinol do Povo
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Peleja a noite numa conjura
Onde a mentira é encoberta
Pelos capatazes da ditadura
Opressores da arte desperta!

O sangue evapora-se pelas ruas,
A mordaça é a mãe da indiferença
Que profere virtudes das falcatruas 
E que furta ao povo a sua crença!

Mas por cada crime, nasce uma trova,
Por cada covarde, haverá um corajoso
Que coloca o regime do medo à prova!

Assim viveu o inigualável Zeca Afonso,
Trovador genuíno da audaciosa liberdade,
Rouxinol que eclipsou a agonia invernal!






Poema nº 227 - O cavaleiro literário


O cavaleiro literário
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


O que seria da poesia portuguesa
Se não tivesse um sadino de gema,
Que desprovido da cortesia inglesa
Viu no ordinário o seu exímio lema?!

Cada poema era um cavalo de guerra,
Cada verso um rude golpe no inimigo;
O seu nome bradava de terra em terra,
Bocage, o Geraldo-Sem Pavor da língua!

Ao fim do dia, após trucidar os incautos,
Enamorava-se das ninfas do rio Sado,
Narrando o seu erotismo pelos planaltos!

Guerreiro desbocado, romântico discreto,
Bocage colhia as begónias da Primavera
Antes de devastar cada espinho indigesto!






Poema nº 226 - Sê um barquinho


Sê um barquinho 
(Poema livre da autoria de Laurentino Piçarra)


Sê um barquinho,
Mas não queiras ser um navio,
Nem sequer uma fragata,
Porque a modéstia é uma virtude
Para quem deseja abrir as suas portas
Aos enigmas do conhecimento!
Com esse barquinho,
Poderás navegar no silêncio,
Escutar o canto doce dos pássaros,
Cheirar o aroma exalado pelos pinheiros
E presenciar o sol que despeja em ti
Calorias intensas de sabedoria!
Segue por esse pequeno rio,
Desbrava a ignorância das montanhas,
E faz do teu pequeno cérebro
Um destemido vulcão em erupção contínua
Que cobrirá as cordilheiras vizinhas
Com um manto de racionalidade!

Sê um barquinho,
Mas não almejes o poder
E tudo aquilo que não te é destinado,
Porque assim naufragarás
À primeira onda movida pela inveja
Ao primeiro intento arrepiante de uma anaconda!
Olha sim para as árvores em redor do riacho
Unidas na mesma causa natural,
Cultivando o valor da amizade!
Nunca te desvincules dos teus amigos,
Afinal, eles também cabem nesse barquinho
Tornando-se em conselheiros dessa tua aventura
Onde a audição é a ferramenta da aprendizagem
E o companheirismo a fonte da vitalidade!
E acima de tudo,
Não deixes de ser quem és
Só para agradares à neblina hipócrita
Que paira sobre os caminhos da humanidade!




Poema nº 225 - Manuel, o cliente dos Paraísos Fiscais


Manuel, o cliente dos Paraísos Fiscais
(Poema satírico da autoria de Laurentino Piçarra)


É dia de Primavera,
E o Manuel já depositou o seu investimento:
Mais 15 milhões para offshores nas ilhas Caimão!!!
Oh! Ele tem muitos contactos na política!
O seu melhor amigo Óscar é do Partido Comodista,
O seu sobrinho Rafael é do Partido Oportunista,
E o seu pai é fundador do Partido Míope,
E claro todos têm offshores
Sejam eles nos papéis do Panamá
Nas praias das Ilhas Maurícias
Ou até nas bananeiras da Madeira.
Oh! Vocês sabem lá!
O Manuel está exuberante:
Limpar dinheiro é com ele,
E nem precisa de máquinas de lavar.
Oh! Ele agora desata a rir-se do vizinho Zeca,
Um pobre agricultor
Que foi multado há semanas
Por não pedir a factura do seu lanche
Num café do Zé-Povinho.
Ainda teve que fazer cem horas
De trabalho comunitário
Só por ter protestado com o agente!!
Mas o Manuel não se sujeita a tal vexame:
É um exemplo para a sua cidade
Todos acreditam no seu dinamismo
E nas ideias que tem para a nação!
Ele até possui amigos no estrangeiro:
Por exemplo, ele conheceu três cangalheiros
Todos eles trajados de negro
E que traziam sempre consigo malas carregadas
De imensa papelada fúnebre!
Ao início, diziam-se também economistas
E que até poderiam ter a solução para a crise:
Fechar hospitais,
Encerrar escolas,
Extinguir juntas de freguesia,
Aumentar impostos,
Cortar pensões,
Cobrar portagens!
Mas um dia, o sem-abrigo do Frederico
Que tudo havia perdido em quatro anos
Perguntou-lhes ao passar na rua:
"Porque não combatem antes a corrupção
E até a evasão fiscal?"
E o Manuel trafulha incomodado
Respondeu com voz arrogante
E escudando-se num falso moralismo:
- "Cala-te, seu sem-abrigo, que nem impostos pagas
E que nem sequer vais votar!
É por causa de pessoas como tu
Que o país não vai para a frente!"




Cartoon da autoria de Chappatte in "International Herald Tribune"



Nota adicional - Poema satírico construído de forma a exibir uma crítica em relação à notícia de que saíram de Portugal cerca de 10 mil milhões de euros para offshores no estrangeiro, entre 2011 e 2014, e sem que o Fisco tivesse conhecimento da saída destes capitais. Os nomes utilizados neste poema são meramente fictícios.

Poema nº 224 - O Mocho


O Mocho
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


A noite desperta em ti o observar,
Recria-te com um semblante frontal,
Uma elegância que admites reivindicar
Aos demais intrusos do recanto florestal.

Perspicaz, mas também artista dotado
Que faz girar o seu pescoço bailarino
Talvez à procura de um poema inspirado
De um luar de espírito que seja peregrino!

Nele residem os cometas da sabedoria
Camuflados por entre os seus penachos
Capelos que trajam a sua nobre reitoria!

E aqueles que o acusam de mau agouro,
Subestimam a sua serenata académica,
O seu vincado olhar que é jóia de ouro.





Poema nº 223 - No dia em que deixares de reluzir


No dia em que deixares de reluzir
(Quintilhas da autoria de Laurentino Piçarra)


No dia em que deixares de reluzir,
As rugas sobressairão da minha face,
Os meus cabelos acusarão ondas brancas,
E todo o meu pensamento claudicará
Perante a ideia do teu desaparecimento.

No dia em que deixares de reluzir,
Me tornarei albino, filho da álgida noite,
Atormentado pela orfandade do amor
Por um buraco negro que suga o meu coração,
Perfurando a minha existência romântica.

No dia em que deixares de reluzir,
Rastejarei como um verme sem auto-estima,
Serei um escorpião escondido numa pedra
Uma cobra deslizando pelo deserto sem emoção
Um berbere sondado pelas miragens vãs!

No dia em que deixares de reluzir,
Os meus olhos se tornarão inúteis
Porque apenas visionarão a banalidade
Que abunda neste mundo egocêntrico,
Onde tu foste a mais singela das excepções!






Poema nº 222 - Não te vou dizer que não...


Não te vou dizer que não...
(Quintilhas da autoria de Laurentino Piçarra)


Não te vou dizer que não
Nem que um dia seja príncipe
E tu uma mera serviçal,
Porque o amor não discrimina,
Apenas une para sempre!

Não te vou dizer que não
Mesmo que o mundo esteja contra ti
E me possa imputar os teus defeitos,
Que, ao meu singelo coração,
São virtudes invejadas por outrem!

Não te vou dizer que não
Só porque não,
Só porque quero ser orgulhoso
E renegar a tua companhia terapêutica
Que preenche os meus vazios.

Não te vou dizer que não,
Só porque o mundo vai acabar
Como antecipam os profetas da desgraça,
Pois eu já sem ti,
Vivo num universo morto.

Não te vou dizer que não,
Mesmo que seja acusado de pecado mortal
Pelos reis do Firmamento,
Porque tu, minha deusa terrena,
És a fonte da graciosidade feminina!





Share's Designs 
(Imagem retirada algures do Google Imagens)

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Poema nº 221 - A melodia singular do teu bosque



A melodia singular do teu bosque
(Soneto da autoria de Laurentino Piçarra)


Achado no bosque da brandura
Escuto as notas da tua harpa
Que irradiam uma suave ternura
Um dócil alento que, de ti, zarpa!

Fisicamente, não te consigo ver,
Mas pressinto o teu aroma rosado,
A verdura espiritual do teu saber
Em forma de arbusto indomado!

Ausculto o ruído da ventania anciã
Que reproduz a tua voz aprazível
Dom que supera qualquer distância!

E por entre a dança viva dos eucaliptos
Descortino aquele sol de cor reluzente
É dele o teu sorriso, do qual sou crente!




 Imagem da autoria de Igor Plotnikov